Tom
12 de março de 2018
Segunda-feira, Tarde
16h00
Ela estava ali, parada a algumas mesas de distância, as pernas, como sempre, justas numa saia um número menor enquanto os olhos pareciam marejados em vê-lo. Tom estava sentado num canto da área de recreação, as mãos tocando timidamente uma maçã e um iogurte, batendo periodicamente na mesa de aço fundido com a unha do indicador.
Desde que Harley pedira para que o tirassem da camisa de força, seu corpo pareceu relaxar. Os remédios desciam com mais facilidade. A garganta já não arranhava e a personalidade dentro de si mesmo não tentava assumir o controle e fazê-lo vomitar. Não mais. A cada dia que passava, Tom tinha mais certeza de que estava, finalmente, tornando-se ele mesmo, e havia diversas provas de que isso era verdade.
Quando acordou naquela cama de molas gastas e apoiou o peso do corpo em seu braço esquerdo naquela manhã, os cabelos castanhos bagunçados e o travesseiro ainda soado de um pesadelo que tivera na noite passada, sempre tão real enquanto adormecido, mas tão fugaz quando desperto, Tom percebeu algo diferente no ar frio daquele quarto. Não havia o cheiro de morte. Não havia o cheiro do sangue seco. O garoto sabia que, mesmo se estivesse no campo, no local mais fresco e com o ar mais puro e intocado pelo homem, ele ainda sentiria o cheiro da extinção de uma vida, isso se estivesse sobre o controle de Ethan. Mas não naquela manhã. Não naquele dia. Com o pensamento de que o seu corpo começava a ser finalmente seu, o garoto sorriu naquele breu e respirou profundamente.
Sim, não havia cheiro de morte.
Agora, como um segundo sinal, ele não sentia a raiva e o medo que sempre fluíam o seu corpo com hesitação conforme a figura de Harley Cleanwater formava-se em sua frente. Ao invés de sentimentos tão ariscos, ele apenas se sentia agradecido.
— Harley. — Foi ele quem falou primeiro, os olhos amendoados fitando a detetive, que arrastou uma cadeira de metal da mesa vizinha e se sentou.
— Você parece bem. — Anunciou com um sorriso caloroso, raro nas feições da mulher.
— E estou! — Respondeu animado, quase como um adolescente que acabou de entrar na puberdade. — E você, como está?
— Bem. — Os cílios dela se agitaram.
— Você já foi melhor em mentir, Harley. – Caçoou ele enquanto apanhava a maçã tão arredondada e carnuda que, até então, não havia sido mordida. Ele fincou seus dentes perfeitamente brancos e arrancou um pedaço, sem tirar os olhos da detetive. Um arrepio percorreu o corpo dela.
— Tom...é você? — Perguntou, hesitante, a mão segurando a cadeira, pronta para se levantar caso algo acontecesse.
— Ethan me disse...que quando você mentia, seus cílios se agitavam. — Ele demonstrou, piscando rapidamente, o indicador ao lado do rosto. — Assim, sabe? Não é ele que está falando, Harley. Sou eu, sabe disso.
— Eu sei. — Harley bufou e sacudiu a cabeça, afastando os pensamentos sombrios.
— E não vai me contar? — Insistiu ele.
— O que?
— O porquê de não estar bem. — Mais uma mordida na maçã, agora com mais crocância.
Ela se reclinou no acento e coçou a cabeça, os dedos entrelaçando os fios enquanto o peito inflava. A área de recreação, diferente do que Harley pensava, era quieta, quase muda, com pequenos murmúrios abafados que vinham de idosos em outras mesas. Tom era o mais novo daquele lugar, seguido por uma mulher que tentou se matar duas vezes e tinha cabelos tons de fogo, de quarenta anos, que estava no lado oeste deles, o olhar fixo nas mãos.
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Obsessão Sublime (Degustação)
Misteri / ThrillerApós uma sequência de homicídios nos últimos meses, Castle Combe se vê perdida em meio à desconfiança. Enquanto luta para manter Tom Moore seguro e longe das investigações, Harley Cleanwater também se depara com o assassinato brutal do homem mais ri...