Sentado debaixo de uma arvore estou perdido entre as lembraças da vida que eu tinha a menos de quarenta e oito horas. minha escola, meus amigos,os professores, meus pais, Charles... Droga! Eu quero poder odiar todos eles, mas não é o que sinto. Estou decepcionado, entristecido, perdido e com raiva. Se eu fechar os olhos ainda posso sentir o cheiro dele, daquele idiota. Me repreendo mentalmente por estar lembrando dele e ainda por sentir sua falta. Ele não merece meus sentimentos, nenhum deles merece, mas não posso evitar, sinto falta do abraço, do cheiro, do beijo...
Abro os olhos e vejo a enorme plantação de trigo que se estende até quase o horizonte. O céu claro sobre nossas cabeças, uma brisa quente que denuncia o verão. Fico pensando nesta imensidão toda, o Édem é tão grande e mesmo assim não foi feito para todos. Não é o nosso lugar, precisamos partir.
Me sinto como um animal selvagem que vivel em cativeiro. Agora que estou livre, não consigo reconhecer o mundo, é como se eu não fosse real e talvez nunca tenha sido. O fato é que meus pais e amigos conheceram Thomas Stuart Jr, um garoto magro, baixo, de cabelos escuros e olhos castanhos. No fumdo nunca fui eu, era apenas um personagem criado para satisfazer as expectativas deles sobre mim. Eu fui um ótimo ator durante toda a minha vida. Meus dias se resumiam a sorrisos e conversas vazias com a maioria, conversas essas que eu sempre estava preparado para ter e ensaiava sozinho como agir, falavamos sobre meninas, carros, futebol, nossas futuras familias e essas coisas que disseram que nós meninos deviamos conversar. Contudo minhas noites baseavan-se a pensamentos, sonhos e fantasias com aqueles garotos bonitos da escola e sobre as vidas que seria possivel construir se nossa realidade fosse diferente.
Eu nunca fui feliz de verdade, apenas em partes de um todo que nem mesmo era possivel existir. mas então apareceu o Charles, com seus olhos azuis escuros e aquele sorriso meio diabolico, porém tão bonito. Ele se aproximo devagar, não trocavamos olhares pelos corredores, mal notavamos a presença um do outro até que um dia, como se fosse num passe de magica, nós acabamos passando algumas horas sozinhos na biblioteca, eu pesquisando sobre o mundo antes da guerra ele fazendo um resumo sobre um livro qualquer. Foi na biblioteca que percebi sua existencia, foi ali o primeiro "oi", o primeiro sorriso e aquela sala cheia de livros se tornou nosso refugio diário por um tempo, enquanto usavamos a desculpa de estudar para na verdade podermos conversar.
Não demorou muito para que eu começasse a ve-lo com olhos um pouco mais atentos e ele também me olhava diferente. Então teve o primeiro beijo tímido, estranho. Um breve momento de duvida, seria mesmo verdade o que estava acontecendo? Sim, era verdade. Depois do segundo beijo o medo desapareceu e tudo o que desejavamos era estar perto um do outro o tempo todo, mas não era assim tão facil. Inventavamos compromissos, trabalhos escolares e milhões de outras coisas. Quantas vezes quase fomo descobertos?
São boas lembranças, devo dizer. Mas isso tudo está em um passado proximo, que parece distante demais. Agora que sai da gaiola, me sinto livre pra fazer qualquer coisa, pra tentar qualquer coisa, mas não sei exatamente o que fazer e nem como. Aquele Thomas era tudo o que eu sabia ser, mas agora que ele não existe mais eu sinto que preciso me encontrar, me revazer, descobrir quem sou de veradade.
Percebo a aproximação de alguém e acordo de meus devaneios. Ólho e vejo Timoti chegando com duas garrafas de cerveja em mãos.
- Tudo bem rapaz? - Ele fala se sentando proximo de mim.
Assinto. Timoti estiga o braço com uma das garrafas em mãos me oferecendo. penso em dizer que não bebo, mas não sei mais se devo agir como agiria se fosse a tres dias.
Pego a cerveja de sua mão e agradeço.
- Sabe... - Ele comemeça depois de dar um gole na cerveja. Timoti olha para a plantação como eu. Está usando roupas simples, shorts e camisa. - Você é mais desconfiado do que seus amigos. Entendo que não esteja muito a vontade conosco, mas garanto-lhe que não queremos fazer mau algum a vocês.
- Foi o que meus pais disseram antes de fazer a maldita ligação. - Dou um gole na cerveja e sinto o gosto amargo meio adocicado. Não era tão bom, mas me faz me sentir mais dulto. É idiotice, eu sei.
Ele ri parecendo ja esperar por uma resposta parecida.
-Eles precisam de alguém assim. - Desta vez me olha. - Alguém que se recuse a confiar em soluções faceis. Vocês são um grupo grande porém não há cumplicidade nem confiança. Não estão prontos para trabalhar em grupo.
Presto atenção nele. Timoti tem certa razão, o acaso acabou nos juntando, todos nós e apesar de estarmos seguindo o caminho do Arthur, estamos pensando unicamente em nós mesmos, como algumas excessões.
- O Arthur é um bom lider, mas ele não sabe ainda como ser um lider, não pensa como um lider ainda. - Ele continua. - Ele vai precisar de ajuda com isso, e sua desconfiança é valiosa. Ele tem pouco disso, facilmente poderiam ser enganados. Quando partirem amanhã - Amanhã? - Fique perto dele. Faça as perguntas que ele ainda não pensa em fazer.
- Não sou um lider.
- Nenhum de vocês são e por isso devem trabalhar juntos. - Ele bebe mais gole da cerveja - Eu percebi que nem todos do grupo estão seguros sobre o caminho que estão seguindo e acho que logo vocês terão problemas, Arthur não estará pronto para lidar com isso sozinho.
Respiro fundo, não sei o que dizer sobre isso. Nós não somos pessoas preparadas para o que está acontecendo, a unica coisa que sabiamos fazer era fingir sermos diferentes e se esconder. contudo agora eles ja sabem quem nós somos, sabem tudo sobre nós e estão vindo, não tem como se esconder, apenas fugir e como fugir?
- Por que está nos ajudando? - pergunto tentando desviar do assunto.
Ele bebe novamente a cerveja e eu o imito.
- Eu perdi uma filha por causa dessa baboseira toda. - Me olha. - Ela era uma garota brilhante e cheia de vida. Amelia. - Um suspiro escapa dele, um esto carregado de tristezas. - Certo dia ela simplesmente bebeu todos os comprimidos da caixinha de remédios. Chegamos tarde para ajuda-la. O que restou foi ma carta de despedida, onde ela explicou seus medos e pediu desculpas por ser diferente. Não foi culpa dela, os purificadores disseram que ela era suja e minha garotinha se matou por isso. Eles dizem o tempo todo que pessoas como vocês são culpados pela desgraça do mundo antigo, pela guerra. - Bebeu mais da cerveja. - Dizem que deus não os aprovam, mas eles matam crianças como Amelia todos os dias e dizem ser pelo bem de todos. Estão errados, todos eles estão.
ouço suas palavras e concordo. Os purificadores nos culparam pela guerra, eles pregam que deus trouxe a guerra para purificar os sujos, para nos eliminar. Mas nós resistimos a guerra, não por sermos diferentes, mas por sermos exatamente como eles. Infelizmente não é como pensam. Agora tentam nos limpar, nos curar, como se tivessemos alguma doença.
A convesa dura mais alguns minutos até que ele se levanta e sai para fazer alguma coisa.
Fico pensando em tudo o que ele disse, talvez eu deva dar um voto de confiança, mas não acho prudente da minha parte. Tenho de ficar pronto, para qualquer coisa que vier a acontecer esta noite, por pelo que ele acabou de dizer, vamos dormir aqui.
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SUJOS
General FictionA humanidade tenta reconstruir o mundo após uma guerra, enquanto um movimento religioso radical cresce e decreta ser crime a homosexualidade. um grupo de foragidos tenta escapar dos radicais arriscando suas vidas em uma jornada eletrizante em busca...