Eu fico imaginando o mundo antes da grande guerra. Costumava passar horas e horas navegando na internet, assistindo dezenas de vezes os mesmos videos sobre as construções que esxistiam aqui ou lendo os mesmos artigos que falavam sobre aquela época. A tecnologia no Édem é, apesar de avançada, muito limitada. A internet, por exemplo, não é uma fonte infinita de conhecimento, como ouvi dizer ser antes, agora ela se limita a poucas paginas aonde podemos encontrar conteudos sem muitos detalhes sobre algumas coisas.
A vida em Arcádia é de longe ruim o suficiente para não me fazer sentir falta. Todos os dias eu acordava as seis da manhã para que as sete estivesse sentado em uma cadeira almofadada na escola. As uma da tarde a aula acabava e eu costumava voltar para casa. A partir das uma da tarde todos as pessoas maiores de dez e menores de vinte podiam circular por todas as partes do Édem sem probemas, porém as dez da noite acontecia o toque de recolher, Ninguém podia estar nas ruas após este horario e obviamente seguiamos a risca a regra pois as punições costumavam ser severas economicamente falando.
Me sinto livre, mesmo com as dores e o cansasso. É como se asas surgissem me ermitindo voar.
Liberdade.
Liberdade.
Liberdade.- Thomas. - Diz uma voz conhecida me tirando dos devaneios que já duram horas.
Olho para Alex que anda no meu ritmo. Tento ignorar dor, é uma droga estar machucado, nem andar direito é possivel. Contudo estava pior pela manhã.
- Precisa de ajuda? - Ele pergunta de uma forma carinhosa e sinto a estranhesa tomar conta da situação.
- Eu estou bem. - Tento dar um sorriso convincente e tenho sucesso. - Não incomoda mais como antes.
Fazemos sinlencio. Eu não sei se devo dizer alguma coisa e na verdade não quero dizer, ele continua seguindo meu ritmo. Sinto o peso daquele beijo sobre mim, aquilo não devia ter acontecido. Alex é um cara legal e bonito, mas eu não quero iludi-lo. Nem mesmo sei o por que desse interesse dele, tem tantos outros garotos mais bonitos e interessantes do que eu neste grupo.
Chegamos a rodovia a mais ou menos quarenta minutos. Agora segumos por ela até uma ponte, que segundo Arthur, está perto.Tenho medo de os agentes estarem rondando as rodovias, não tenho nenhuma duvida de que este seja um dos processos padrões nestes casos. Se nos encontrarem agora não acho que teremos a mesma sorte que tivemos na fazenda.
Samuel anda a beira da estrada de cabeça baixa. Seus olhos vermelhos focam no chão. Sua tristeza é quase palpavel, imagino sua tristeza, diferente de nós, que sempre estivemos preparados para a possibilidade de sermos levados, ele nunca precisou se preocupar com isso e agora a sua familia deve estar presa em algum lugar do Edem enquanto ele é forçado a fugir com um bando de desconhecidos.
Eu queria me desculpar com ele, se não tivessemos ficado na fazenda aquela noite, nada daquilo tinha acontecido. Eu queria que fosse diferente, mas não posso mudar nada.
- Ele está calado desde quando saimos da fazenda. - Alex diz pra mim quando percebe que eu estou observando Samuel.
- Não está sendo facil pra ele.
- O que vai acontecer? Digo, ele vai com agente? E a familia dele? Os pais dele não estão mortos e se foram presos, estaram livres em alguns meses...
Olho para Alex. Eu não sei como responder as suas perguntas, era uma coisa que depende de Samuel decidir. Não sei como as coisas vão ser nem pra mim, nem pra ele e nem mesmo para os outros.
Apenas nego com a cabeça.
- Vamos dar um jeito. - Alex sorri pra mim depois de dizer as palavras otimistas.
Assinto.
Chegamos a ponte depois de um tempo. Agora deve ser umas tres da tarde. Estamos na floresta novamente, seguindo o curso de um rio, as aguas as vezes são calmas e profundas, mas depois ficam razas e agitadas, para novamente encontrar uma calmaria profunda. Alex continua comigo, Sarah e marcela também estão por perto. Vez ou outra, Arthur que segue na frente olha para trás e vejo um sorriso em seu rosto. É um sorriso pra mim e isso me faz sorrir de volta pra ele. É tão estranho quanto com Alex, uma mistura de desconforto com uma animação esquisita. Como se fosse uma aventura daquelas que não devemos arriscar, mas mesmo assim fazemos.
Paramos para um descanso. Arthur disse que chegaremos em menos de duas horas, porém a julgar pelas caras cansadas que vejo, imagino que isso irá demorar um pouco mais.
Estamos sentados as margens do rio sobre areias umidas. Sara e Marcela são agora inseparaveis e conversam, ou melhor, fofocam sobre todo mundo. Elas riem me observando de longe. Alex está sentado do meu lado e Arthur a minha frente, mas estão conversando entre si. Lucas está no meu lado falando de alguém chamado Diego e o quanto este garoto é bonito e fofo. Apenas confirmo o que ele diz sem realmente prestar atenção nas palavras.
Vejo Samuel sentado em uma pedra distante. Ele está jogando pedras na água preso em seus pensamentos. Decido ir até ele. Peço licensa a Lucas e me levanto. Alex e Arthur percebe minha movimentação, mas nenhum se levanta e eu agradeço internamente por isso.
- Samuel. - Digo assim que me aproximo. Ele me olha, seus olhos claros avermelhados e tristes. - Está tudo bem? - Tento ser amigavel.
Ele assente e sorri forçado.
- Só estou pensando.
- Eu sinto muito pelo que está acontecendo. Não queriamos ter causado isso e...
- Não foi culpa de vocês. - Ele me interrompe. Seus olhos voltam para a água. - Gabriel quem fez a denuncia.
Me surpreendo com a revelação. Não era nenhuma novidade que Gabriel não gostava da nossa presença na fazenda, mas não achei que ele nos denunciaria. Milhões de chingamentos passam por minha cabeça agora, mas reprimo todos eles por respeito ao garoto a minha frente.
- Ele esperou até dormirmos e ligou para a nova ordem. - Ele explica.
Não sei o que dizer. Esto com raiva, muita raiva. Aquele idiota quase pos tudo a perder. Muitos de nós foram levados, mas não é com isso que eu realmente me importo e sim com o fato de que eu fui quase levado.
- De qualquer forma... Eu sinto muito. - Digo tentando manter o controle. Não estou com raiva do Samuel, ele é um bom garoto. Mas ainda tenho muita vontade de soltar alguns palavrões. - Nós vamos cuidar de você. Sei que não vai ser facil deixar tudo para trás, mas nos estamos funcionando nesse lance de cuidar uns dos outros.
Ele sorri.
- Confio em vocês. - Ele fala.
A caminhada rapidamente é retomada. Samuel está mais perto agora, não fala muito, mas parece melhor. Não vou forçar nada.
Pouco mais de duas hora depois o grupo para de andar. Como estou um pouco mais atrás, continuo andando para alcança-los.
- Chegamos. - Arthur fala quando eu apareço ao seu lado.
Estamos cansados demais para sorrir, mas podemos ver o acampamento.
Está a pouco mais quinhento metros. A paisagem agora é outra, as arvores altas deram espaço a plantas rasteiras, folhas de capim que não chegam a altura dos nossos joelhos. O céu esta claro e o sol brilha forte.
Podemos ver o acampamento.
Tendas de plastico mais altas que uma pessoa armadas, são tres delas, ao redor tem barracas e veiculos, varios deles, um onibus, um carro simples de passeio, tres motos, dois jeeps e um carro com carroceria, que eu não sei o nome. Todos eles tem o modelo dos carros que existiam antes da guerra. Atualmente nossos carros são padronizados, todos tem um unico modelo diferenciando apenas nas cores.Também tem alguns varais com roupas estendidas balançando com o vento. Podemos ver as pessoas. São muitas, devem haver umas cem. Estão andando de um lado para outro, todos envolvidos com algum afazer. Tem um grupo dentro de uma das tentas grandes, estão ao redor de uma mesa e parecem conversar sobre alguma coisa. Devem estar trabalhando no plano de ir além dos muros.
Sinto repentinamente um alivio. Finalmente chegamos e eles parecem ser bem preparados. É estranho ver muitos sujos reunidos em um unico lugar. Talvez eu esteja aonde eu devia estar todo esse tempo, aonde cada um de nós devia estar.
Juntos.
VOCÊ ESTÁ LENDO
SUJOS
General FictionA humanidade tenta reconstruir o mundo após uma guerra, enquanto um movimento religioso radical cresce e decreta ser crime a homosexualidade. um grupo de foragidos tenta escapar dos radicais arriscando suas vidas em uma jornada eletrizante em busca...