Itália

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Tudo começou nesse lindo país que aprendi a amar. Cheguei à Itália muito jovem. A primeira sensação que senti foi de frio. O famoso frio na barriga e o frio do norte da Itália, na região do Piemonte. A minha nova cidade, Torino, era conhecida mundialmente por ser a cidade onde Agnelli construiu a empresa dos seus sonhos, a FIAT. Mas, Torino não era somente a FIAT. Era uma cidade bonita, austera e elegante. As pessoas eram silenciosas e ao mesmo tempo aumentavam a voz caso algo as contrariasse. Minha primeira casa foi próxima ao Parque do Valentino (Parco del Valentino), um espaço de lazer muito amplo e belo. Eu costumava fazer longas caminhadas mesmo com as temperaturas abaixo de zero, que era o comum. Quando fazia dez graus eu sentia calor. Percebi que quando moramos num país muito frio temos que nos adaptar em relação ao ambiente. Nesse meu aprendizado descobri coisas interessantes. Uma delas diz respeito às compras de casacos novos. Eu via as pessoas colocando a mão nas mangas do casaco e assoprando a palma da mão. Descobri que esse gesto ajudava a perceber se o frio passaria o tecido deixandonos desprotegidos. Hoje em dia costumo fazer isso aqui no Brasil e algumas pessoas começam a rir ao me verem agindo desse modo. A vida na Itália foi marcada por uma solidão habitada. Como assim? Eu ficava muitos dias comigo mesmo. Meu marido naquele então viajava muito à trabalho e eu não podia acompanhá-lo. Não conhecia ninguém e tão pouco convivia com brasileiros. Acordava cedo e arrumava a casa na parte

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da manhã ouvindo o rádio. Desse modo eu aprendia o novo idioma sem ver as imagens. No início não entendia nada. Aos poucos, como um caleidoscópio eu comecei a entender tudo. Na parte da tarde eu me enfiava na biblioteca pública e lia tudo o que eu podia. Os funcionários da biblioteca viraram meus amigos e me emprestavam livros raros nos finais de semana, aqueles livros que não poderiam nem sair de lá. Com o passar do tempo criei meu ambiente. Conheci minha amiga Anna Ferrero, através de um amigo padre. E ela me abriu o novo universo da cultura. Comecei a frequentar a elite literária de Torino. Ouvia palestras num primeiro momento. Depois iniciei a dar palestras sobre os escritores brasileiros, o problema dos meninos de rua e a cultura brasileira. Escrevi um projeto para a Prefeitura de Torino chamada "O Laboratório do Saci Perere". Foi um sucesso. Dei entrevistas à RAI (Radiotelevisone Italiana), fui parar na Alemanha. Isso tudo me fazia pensar a minha trajetória em outros termos. Conhecer uma nova cultura não acaba com a nossa identidade. O que acaba com a nossa identidade é colocar um muro entre nós e as pessoas. Ninguém te conhece, ninguém te ouve. O mesmo ocorre contigo. O eu precisa do tu para existir. Se não temos o feedback do outro podemos acreditar que o nosso agir é o correto ou que não estamos tendo sucesso.

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