Cheguei ao Brasil com 49 quilos, abatida e sem forças. Fiquei uns dias no Rio e depois fui para a Região dos Lagos onde mora minha mãe. Estava esgotada. Meus familiares ficaram preocupados. Trouxe somente duas malas. Deixei todos os meus pertences em Torino numa casa que provavelmente não verei jamais. Ouvir a minha língua materna me trouxe um pouco de alívio, como se o passado voltasse para me animar. Porém, minhas recordações não eram ligadas ao Brasil, tão pouco aos meus amigos. Fraca, sem conhecer mais ninguém, recomecei de novo. Até a geografia havia mudado o meu Rio de Janeiro com suas Linhas Amarela e Vermelha. Alguns lugares não me eram mais familiares e isso me fez sentir estrangeira em minha própria terra. A mesma sensação ocorria durante uma conversa informal. Quando um dos falantes se voltava para me perguntar se eu não havia visto algo na televisão ou se eu me recordava de um determinado fato eu ficava desconsertada. Alguns hábitos africanos resistiam a ir embora. Eu costumava comer sentada no chão. Dormia com uma vela e um fósforo embaixo da cama e sempre que saía de casa carregava comigo uma lanterna. Certa noite, saí da cama sem fazer barulho. Sentei-me no chão, com uma vela acesa ao meu lado. Peguei um livro e comecei a me distrair já que o sono não havia chegado. Eu havia aprendido a caminhar sem fazer barulho durante o período do Burundi. Durante aqueles dias nos quais passei trancada numa casa eu havia desenvolvido uma técnica de caminhar sorrateiramente. Não queria que o guarda lá fora percebesse que eu estava acordada. Não sei por que agia daquele modo. Talvez um medo estranho que se revelava em atitudes desconexas. Estava concentrada na leitura quando minha mãe entrou no quarto e me perguntou se eu estava maluca. Ela disse-me que eu estava no Brasil e ali tínhamos luz elétrica. Se eu não mudasse de atitude ela me levaria ao psiquiatra. Tive um momento de lucidez. Realmente eu não precisava agir daquele modo. Naquela semana minha mãe doou todas as minhas roupas para o centro de caridade do qual ela faz parte. Levou-me a uma loja e comprou roupas novas para mim. Roupas coloridas, com várias estampas. Minhas roupas anteriores eram escuras: marrom, azul escuro, preto. Eram as cores que eu usava na Europa. Ao sair do Burundi eu havia passado pela Itália e não havia muitas chances de ter roupas coloridas em meu guarda-roupa. Penso no futuro como um horizonte onde novas estórias ocorrerão. Tudo dependia de mim, da minha vontade de conhecer o outro e construir pontes.
A vida não é somente uma sucessão de acontecimentos. Precisamos costurar esses episódios com uma linha forte e invisível para que possamos continuar vivendo novas estórias, ora como protagonistas, ora como figurantes, ora como diretores.
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Uma Ponte Para Você - viagens e vida
Non-FictionEsse livro fala sobre a minha experiência de viagens pela Europa, África e Estados Unidos. Uma vida dedicada ao trabalho e às viagens. São memórias que divido com meu leitor sobre as diferenças culturais e experiências que me conduziram a ver a vida...