Uma Ponte Para Você - viagens e vida

Retrospectiva

A terra vermelha continuava evocando a cor do sofrimento daqueles que caíram por não conseguirem mais resistir. O sol quente me acariciava a pele num gesto de acolhimento. Estou de novo em solo africano. A África dos sonhos, dos mitos, dos mistérios, das riquezas de possibilidades que a pobreza material não conseguia deixar vir à tona. A África de tantas lutas, de tantos sussurros e tantas projeções. Os conceitos de ter e fazer são elencados em projetos sociais que a cada ano levam muitos expatriados a deixarem a própria casa. Vidas entrelaçadas por motivações e sotaques diferentes. Os que desejam ajudar, os que precisam de ajuda e os que não se preocupam com perguntas e aqui estão. A interrogação é uma estrada sinuosa que desemboca em outros cruzamentos. Eu não achei a resposta. Muitas vezes não fiz ainda a pergunta que deveria responder. Encontrar a resposta para outro... Uma dolorosa tarefa da nossa missão. Aqui estou nesse pedacinho de céu cujas estrelas insistem em brilhar sob o véu do esquecimento e do desconhecimento. Projetos, agendas, compromissos assumidos com a minha cabeça ocidental. Um aparato que nem sempre leva em consideração o caminho daqueles que tiveram seus percursos alterados por guerras e calamidades. Agendas que não se abrem, esquecidas num canto da vida, à espera de tempos melhores. Um povo dizimado pelas intempéries. E eu? Uma muzungo(nome masculino. Em Moçambique  é o nome dado ao português europeu branco. Do Suaíli "mzunzu").,branca na língua deles, de sorriso largo e agenda cheia de objetivos. Aqui estou, mais uma vez. Vozes e vultos que não consigo sigo memorizar. Vultos que aprenderam a viver o próprio instante e que conseguem insistir, que tentam resistir. Estou aqui tentando escrever um futuro que tento colocar nessa folha de papel. Ações, projeções. Onde estarão meus personagens? Aqui está a nossa estória, venham! A nossa estória?! E permaneço sozinha. Choro. Choro de tristeza pelo meu agir tão organizado e tão bem fundamentado. Meus personagens olhando para o futuro que insisto em propor. Eles percorrem as ruas sem luz dessa cidade tão grande e tão pequena que abriga os sobreviventes de um pesadelo chamado pós-guerra.