Burundi

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Em 1966 a guerra era a protagonista social. Desci no Burundi com uma mochila vermelha própria para praticar montanhismo e uma mala de rodinhas grande. A saga havia começado no aeroporto de Torino. Munida de uma carta do governo na qual declarava que eu viajava para missão humanitária me apresentei com sessenta quilos a mais do permitido. O funcionário da companhia aérea tentou me ajudar. De toda maneira, era um desafio carregar todo aquele peso quando uma pessoa tem 49 quilos (era o meu peso naquele tempo). O funcionário me conduziu para outra sala e distribuiu os pacotes de café, macarrão, a moka, que é aquela a máquina de café que usamos na Itália e tantas outras latinhas e pacotinhos de comida. Quem me visse diria que eu estava indo para uma ilha deserta. Depois de tudo arrumado, com a ajuda do rapaz, coloquei a mochila nas costas e lá fui eu. Ao subir na escada do avião perdi o equilíbrio. O senhor que estava atrás de mim tentou me ajudar e ao perceber o peso da mochila começou a dizer bem alto: "Questa donna è un pericolo!" (essa mulher é um perigo!). O comissário prontamente desceu as escadas para me ajudar e ao segurar a minha mochila disse-me algo parecido como misericórdia em português. Ao chegar ao Burundi não consegui mais posicionar a mochila pesada nas costas. Os comissários de bordo me ajudaram a descê-la do avião e o trajeto até à imigração foi na base do sufoco mesmo. Eu arrastava a mochila e as malas que eram entregues ali mesmo no campo de terra onde o avião pousou. Diante dos policiais burundeses comecei a tremer de medo. Num país em guerra a comida possui um valor inestimável. "Bonjour, madame!". Fingindo não entender o francês respondi em italiano: Buongiorno! Eu já havia usado o idioma francês no Burkina Faso mas decidi, num gesto instintivo, fingir que não entendia nada do que me falavam. Os homens pediam para eu abri a curiosa mala pesada. E eu comentava algo sobre o calor que fazia ali. Eles se olharam e repetiram o pedido. Mais uma vez me fiz de desentendida. Como a fila estava longa um deles disse: "Ela não entende nada, deixe-a ir!". E assim escapei do controle. Os alimentos que levei com tanto sacrifício foram todos roubados da casa do projeto. Inclusive a minha linda mochila vermelha. Tudo em vão! O saldo desse esforço foi um problema na coluna que se reflete ainda hoje. O que fazer?

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