Monarch of the Seas - meu trabalho no navio

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Por duas vezes tentei retornar ao Brasil. Na primeira tentativa eu trabalhei numa multinacional italiana. Isso porque eu entraria em meu país com um contrato para o governo italiano. Seria muito confuso responder a dois senhores. O projeto não previa uma figura com as minhas características e eu estava ensaiando um percurso diferente. Aproveitei desse tempo para voltar aos meus estudos. Sempre gostei de estudar e sempre que surge uma oportunidade eu arranjo algo para fazer. Meu casamento estava desmoronando e o meu tempo na multinacional terminou porque meu ex chefe havia retornado para a Europa. Meu cargo era de confiança e após dois anos com outro chefe saí de lá. Nesse intervalo eu concluí o curso de Letras no Brasil. Surgiu uma grande vontade de sair do meu casamento e buscar uma nova vida. Porém, eu não tinha coragem. Descobri que estava vivendo sozinha há muito tempo. Encontrei um anúncio num jornal que convidava os candidatos que conheciam línguas estrangeiras e que gostavam de viajar a enviar o curriculum vitae para eles. A identidade da empresa não aparecia porque era confidencial. E foi assim que fui trabalhar numa companhia de transatlânticos após uma seleção que durou uma tarde inteira, no bairro da Barra da Tijuca. Pediram-me para me apresentar em várias línguas e preenchi muitos papeis com informações sobre mim. A entrevistadora era muito simpática e me falou sobre o trabalho a bordo como se fosse uma grande oportunidade. Mas, ao mesmo tempo, ressaltou as dificuldades que eu teria. 

Após o Burundi eu não vejo as dificuldades da mesma maneira! Ela sorriu e me disse que eu estava aprovada. Fui para o navio para melhorar meus idiomas e me preparar para mudar de vida. Hoje me dou conta de que foi o ensaio para o meu divórcio. Ao me deparar com Monarch of the Seas me senti uma formiga. O navio era enorme e eu ali minúscula, diante de um universo desconhecido. Mais um! Era meu primeiro contrato. Portanto nada de regalias! Uma cabine sem janela, trabalho exaustivo por mais de 13 horas por dia e regras a serem cumpridas. Meu primeiro chefe foi um filipino, Willer. Ele era bondoso comigo. Dizia-me que eu não deveria estar ali, que eu era uma mulher fina e mulheres finas fazem cruzeiros e não trabalham em cruzeiros. Eu sorria e prosseguia adiante em meu propósito. O pior dia era o famoso "embarkation day". Nesse dia nada poderia dar errado. De um lado os passageiros embarcavam ansiando pela aventura de uma viagem fantástica e ao mesmo tempo, do outro lado do navio os que haviam terminado o cruzeiro deixavam para trás o sonho daqueles dias. Trabalhar num navio foi uma experiência de vida fabulosa. Consegui me superar em muitos momentos: quando tentava vencer o sono e conciliar as tarefas da longa jornada com meus treinos de corrida na academia; quando tentava entender Ana Lee que com seu jeito de ser me ensinou a me tornar uma boa tripulante. Conheci minha amiga chinesa Cindy, a capitã Katrin e outros capitães que me deram lições de vida. Eles faziam um encontro com a tripulação chamado "Meeting with the Captain" . Num desses encontros um capitão carismático nos falou sobre a humildade. Ele dizia que ao descer do navio todos nós tínhamos uma função na vida, uma profissão. Ele não. Ele era capitão somente a bordo de um navio. Eu nunca havia parado para pensar sobre isso e logo vi o quanto era humilde aquele homem. Ele conhecia a fragilidade de seu poder que era limitado por sua estadia a bordo. Morar numa cabine minúscula e sem janela não era um grande desafio. Eu já havia tido a experiência em Bujumbura (Burundi) e ali tudo era mais confortável porque eu fazia parte de uma equipe. Tínhamos uma capela, um restaurante, boutiques, salas de leitura, academia, ruas... era uma vida "normal" sob as águas. 

Desenvolvi uma relação com o meu navio diferente: ele era a minha casa. Ao descer nos portos eu costumava andar a pé para conhecer os lugares e ao retornar tentava identificar o Monarch entre os demais. Ao vê-lo, me sentia feliz. Estranho mas era assim mesmo. Eu me dizia: "estou em casa." Foi um período de aprendizagem. Li muito e pude pensar sobre a minha vida. Mesmo bem adaptada à vida de tripulante resolvi descer do navio e não renovar mais o meu contrato! Meus superiores tentaram me persuadir a mudar de ideia. Eu estava indo muito bem. Minha disciplina era favorável ao estilo de vida a bordo. Mas, decidi que, embora fosse uma vida interessante aquela não era a vida que eu queria. Após oito meses de contrato desembarquei no porto do Rio de Janeiro. Por dois dias ainda sentia o balançar do transatlântico. Acostumada à cabine pequena percebi que utilizava somente uma parte da casa. A terra era firme. Eu não. Eu havia decidido me separar.

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para pensar sobre isso e logo vi o quanto era humilde aquele homem. Ele conhecia a fragilidade de seu poder que era limitado por sua estadia a bordo. Morar numa cabine minúscula e sem janela não era um grande desafio. Eu já havia tido a experiência em Bujumbura (Burundi) e ali tudo era mais confortável porque eu fazia parte de uma equipe. Tínhamos uma capela, um restaurante, boutiques, salas de leitura, academia, ruas... era uma vida "normal" sob as águas. Desenvolvi uma relação com o meu navio diferente: ele era a minha casa. Ao descer nos portos eu costumava andar a pé para conhecer os lugares e ao retornar tentava identificar o Monarch entre os demais. Ao vê-lo, me sentia feliz. Estranho mas era assim mesmo. Eu me dizia: "estou em casa." Foi um período de aprendizagem. Li muito e pude pensar sobre a minha vida. Mesmo bem adaptada à vida de tripulante resolvi descer do navio e não renovar mais o meu contrato! Meus superiores tentaram me persuadir a mudar de ideia. Eu estava indo muito bem. Minha disciplina era favorável ao estilo de vida a bordo. Mas, decidi que, embora fosse uma vida interessante aquela não era a vida que eu queria. Após oito meses de contrato desembarquei no porto do Rio de Janeiro. Por dois dias ainda sentia o balançar do transatlântico. Acostumada à cabine pequena percebi que utilizava somente uma parte da casa. A terra era firme. Eu não. Eu havia decidido me separar.

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