One

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  Estava farta de tentar descobrir quem era, e se tinha família. Se eu os tivesse porque não iriam a minha procura?
 Acordei numa cama de hospital, à quatro meses, desde então que não sei quem sou. Estive 4 anos em coma, e nunca descobriram que eu era. Na ficha médica dizia "Desconhecida do quarto 11".  Sabiam apenas que tinha 18 anos, 14 quando dei entrada no hospital.

  Um grupo de pescadores encontrou-me na areia de uma praia, cheia de feridas, e com hematomas. Inconsciente. Provavelmente trazida pelo mar, pois estava encharcada.

 Quando acordei, tinha amnésia, e decidi que deveria ter um nome, mesmo que não fosse o meu nome de nascença. Escolheram Aphrodite, o nome de uma deusa grega, a deusa do amor. Segundo a mitologia grega Aphrodite nasceu da espuma do mar.  
"Por influência deste significado, os gregos associaram ao seu nome uma lenda que relaciona o seu nascimento através de uma espuma do mar, por isso também pode ser atribuído o significado de "espuma do mar" ."

 Achamos, eu e os médicos, adequado. Pois ninguém sabe a minha origem, de onde vim ou quem sou. Por agora, sou a "Aphrodite, rapariga da espuma do mar".  

 Agora estou por minha conta, não tenho idade para ir para um orfanato e não sei se tenho família com quem ficar, visto que perdi a memória.

  Arranjei trabalho num restaurante, onde estou a ganhar o suficiente para sobreviver. Estou a viver num T0, numa rua com pouca gente. Pago pouco de renda por isso o resto foi inicialmente para comprar o necessário. Agora que estou mais à vontade com o meu ordenado, junto dinheiro para ter aulas numa faculdade.
 Não sei se era estudiosa quando fui encontrada, mas agora quero seguir com a minha vida. Quero aprender mais, quero arranjar um bom trabalho e quem sabe, retomar uma vida normal. 

 Entrei dentro da banheira e comecei a tomar o meu duche. Quando acabei, enrolei-me na toalha e fui ver se o chá para o pequeno almoço já estava pronto, apesar de ser hora do almoço, para mim era pequeno almoço. Fiquei até tarde no turno de ontem, por isso acordei tarde também.

  
 Voltei a casa de banho e vesti-me. Jeans pretas, uma camisola branca a dizer "Simple" e um casaco largo preto e branco. Calcei umas botas, as únicas que tinha, pretas e maquilhei-me. Rímel, lápis e um pouco de gloss rosa. Deixei o cabelo solto. Cada vez estava maior, dava-me pelas costas, era castanho com madeixas loiras naturais. Chamam-lhe "madeixas californianas" acho.

 Bebi o chá a presa e peguei na minha mala. Peguei no telemóvel e sai de casa.
Fui a pé para o trabalho, já que era na rua a seguir.

"Bom dia!" disse a filha da minha patroa, Katie, que trabalha também no restaurante.
"Bom dia, estás adiantada!" Não sabia disso, mas agora já cá estou.
"Não reparei, mas ainda tenho de ir arranjar-me, por isso."

 Desci umas escadas que iam dar ao andar de baixo, onde tínhamos a sala dos empregados, era uma pequena sala com cacifos e dois cadeirões, onde passávamos a maior parte dos nossos intervalos.  

 Apanhei o cabelo num rabo de cavalo perfeito e vesti uma t-shirt do restaurante com a imagem do mesmo.
Subi de novo as escadas e comecei o meu trabalho.

  Por volta das 14 horas o restaurante estava cheio, sempre gente a entrar e sair.
 
Levava quatro pratos nas mãos, para uma mesa com cinco rapazes um pouco mais velhos que eu.
 Todos com um ar bem cuidado e bem arranjados. Todos diferentes nas suas feições, mas parecidos nos estilos e maneiras de vestir, à exclusão de um.

"Desejam mais alguma coisa?" Perguntei.
"Por agora estamos bem, obrigado"
"Bom apetite." Respondi e afastei-me da mesa.

 Sempre que aparecia ao pé daquela mesa, sentia os olhos de um dos indevidos, pousados em mim. Olhava para mim de lado, com um ar estranho, talvez até admirado.

O mesmo chamou-me para ir a mesa, e por mais que estive a desgostar daqueles olhares, teria de o fazer.
"Pode trazermos a conta?" Ouvi um deles chamar-me e fui à mesa.
"Vai pagar em dinheiro ou cartão?" Perguntei.
"Cartão."
"Um momento por favor." Dirigi-me a um dos balcões e retirei uma das maquinas do multibanco. Dirigi-me de volta à mesma mesa, onde o vi encaixar o cartão e digitar o código.
"Obrigada."
"O prazer é nosso, esperamos que tenham gostado da vossa refeição." Sorri, e quando os mesmo retribuíram afastei-me da mesa.

"Porque é que aquele ali te anda a mandar olhares? Ele é bem giro!" Vi a Katie fazer um gesto em direção ao rapaz da mesa anterior.
"Não faço a mínima de quem seja, para além disso fui lá entregar o pedido e receber o pagamento, não os estive a observar."
"Mas olha que o de caracóis te observou, e não foi pouco." 
"Não reparei." Menti.

Passei o dia a pensar no dia de amanhã, a minha folga. Todas as semanas temos uma folga, a minha calha sempre as sextas ou quintas. Esta semana é a sexta, o que significa que tenho fim de semana prolongado.  O que calha bem, pois hoje é o ultimo dia do mês, e no anterior, prometi a mim mesma que neste mês, ia tirar um dinheiro de parte, nada de muito extravagante, para ir comprar alguma coisa para mim.

 Cheguei a casa estafada, cheia de sono e com uma vontade de comer do outro mundo.
Fui a cozinha e tirei um pote de gelado, descalcei as minhas botas e deitei-me no sofá, na companhia da minha gata, Íris. Também o seu nome, escolhido a partir de uma deusa, a deusa egípcia Íris. Significa "eu nasci de mim mesma, não venho de ninguém".

 Desde que escolhi o meu nome a partir de uma mitologia, tenho-me interessado muito por estas histórias.

Aphrodite // h.sOnde histórias criam vida. Descubra agora