Capítulo 1

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Dias atuais.

Clara

Minha vida está longe de ser um mar de rosas. Trabalho quase vinte e quatro horas por dia, desconheço o significado da palavra férias próprias e não tenho um namorado. O trabalho é justificável; eu e meu irmão somos donos de uma pensão à beira mar e um restaurante que fica interligado a ela. Sobre férias? Nem preciso dizer que sempre torço para chegar final do ano para esse lugar ficar lotado, como agora, meados de novembro. Eu posso até não tirar umas férias, mas curto a dos outros. Por que? É fácil! Ganho muito bem com isso. Turistas de todos os lugares vêm para a praia e acabam escolhendo nossa pensão por ser acolhedora e familiar.

— Agora sim começamos.

A voz do Guilherme, meu pequeno aprendiz que conheço desde que era um pirralho, coloca a placa de aberto pendurada na porta.

— Sim! — Falo empolgada. — Tenho a impressão que fecharei esse ano com chave de ouro.

Solto uma piscadela e ele sorri de orelha a orelha. Passo a mão na sua cabeça e ando até a parte de fora, deixando a brisa da manhã bater no meu rosto e o cheiro do mar invadir minhas narinas. Eu amo esse lugar!

Minha vida foi e é sempre por aqui. Não conheço nada ao redor do mundo, porque nunca tive tempo de sair e curtir. Mesmo assim, gosto da minha vida, das pessoas que me rodeiam todos os dias e poder cuidar da única herança que meu pai nos deixou; o negócio da família.

Antes de morrer, quando ele ainda era aquele homem alegre e cheio de vida, meu pai sempre ia no píer, que fica em frente a pensão, e sentava comigo e o Cadú para contar belas histórias que ele mesmo criava na sua mente fértil. Nós adorávamos. Passávamos madrugadas a fio escutando suas aventuras. Ele era um grande homem e foi um bom exemplo de pai. Quando estava acamado, cheio de tubos ligados ao seu corpo, ele nos chamou até ele e disse que continuássemos unidos independente de qualquer coisa, porque nós dois seriamos para sempre como um laço forte e inquebrável. Como um elo.

Assim tem sido desde que ele morreu, há quinze anos. Eu e Cadú temos dois anos de diferença de idade, sendo ele mais velho. Nos tornamos responsáveis cedo demais, mesmo sem querer. Meu sonho de fazer uma faculdade de turismo teve que ser deixado de lado, e a única coisa que mergulhei foi em cursos de idiomas a distância. Valeu a pena. Está valendo muito.

Eu e meu irmão brigamos bastante, e eu sei que isso vai contra o que nosso pai pediu, mas duas pessoas parecidas, com gênios idênticos, não poderiam viver cem por cento em paz com o outro. Só que, apesar de tudo, ele é meu alicerce, é quem me mantém de pé, firme e forte, seguindo em frente, mesmo com as pancadas que acabo levando da vida. Já passei por algo que destroçou minha alma e coração, e foi nesse momento que agradeci por ter meu irmão para me abraçar, consolar e dizer que tudo ia ficar bem. Ficou. Não totalmente, pois tem marcas na alma que jamais serão curadas, mesmo assim, eu continuo aqui e consegui me reerguer apesar de tudo.

André. Ele é o motivo por eu não conseguir mais namorar desde então. Há doze anos atrás eu fechei meu coração para sentimentos amorosos. Aquele capeta em forma de pessoa me deixou destruída. O que ele fez comigo, eu nunca imaginei passar de verdade. Era jovem, saindo da adolescência, e achava que violência contra a mulher era algo distante da minha realidade. Mas não foi. Ao menos ele agora está longe o suficiente para me deixar em paz. Doze anos que eu sei o que é respirar sem me preocupar em vê-lo me rondando. Mesmo que o fantasma dele ainda me assombre.

— Bom dia, mana!

Sou agraciada com um beijo na bochecha assim que entro na pensão, logo andando até a cozinha e indo em direção ao cheiro gostoso do café e das panquecas.

Recomeçando ao seu ladoOnde histórias criam vida. Descubra agora