VI. FRAGÉIS LAÇOS

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Klaus Bane era um neurocirurgião respeitado pela alta sociedade de Missouri e sempre que tinha oportunidade ostentava sua posição. Os cabelos eram um mar cinza e rugas marcavam sua face cansada; em todos os hospitais da região alguém já ouvia falar de seu nome e respeitava seu trabalho. Em Kansas City era conhecido e requisitado quase todas as semanas. Sua presença impunhava respeito — até mesmo quando se estava com a família, a autoridade que Klaus possuía preenchia todo o espaço e aquilo incomodava Peter em proporções absurdas. Era como seu pai fosse além do humano.

O olhar à sua direção era sempre acusatório e naquela vez não era diferente.

Peter tinha quase nada parecido com o pai, apenas a antiga cor dos cabelos e dos olhos. De resto, a aparência se assemelhava a mãe. Mesmo sendo 10 centímetros mais alto que seu pai, Peter se sentia minúsculo perto dele. Ele usava jaleco com seu nome bordado de lado com linhas azuis, uma combinação harmoniosa com a sua camisa social da mesma cor.

— Veio visitar seu pai? — perguntou Klaus em tom amargo.

— Estou aqui a trabalho — respondeu Peter prático.

— Sua mãe sente sua falta. Você não vai lá desde 4 de julho — disse com uma reprimenda implícita.

Eles estavam no final de setembro e isso lhe dava quase três meses que não ia à casa de seus pais. Não que ele não sentisse falta de sua família, mas ele desejava apenas visitá-los em feriados como Ação de Graças e Natal. Ainda assim, era difícil evitá-los quando eles moravam em Kansas City e viviam trabalhando em hospitais pertos a Lee’s Summit. Era por isso que, sem planejamento algum, esbarrou com Klaus Bane no corredor do hospital da cidade. Peter suspirou pesado, desejando ser esta a resposta que seu pai desejava.

— Bem, acho que você pode vir nos ver hoje à noite — falou o cirurgião segurando-o pelo ombro. A mão de Klaus era forte, pesada.

Peter observou para os dedos precisos de seu pai e entendeu aquilo era uma ordem, não uma sugestão.

— Eu não sei, pai...

— Seu irmão vai está aqui e sua mãe deseja ver a família reunida — insistiu — Você sabe que eu não ligo para isso, — ele revirou os olhos — mas sua mãe sim. Eu estava pra ligar pra você ainda mais cedo.

— Pai… — Ele olhou para o final do corredor, procurando pela família dos Stuarts — Eu preciso ir. Estou aqui a trabalho.

— Tudo bem se você não quiser ir. — Ele balançou a mão em desdém — Mas se mudar de ideia, apareça às sete.

Soltou-lhe o ombro e saiu pelo corredor no sentido contrário ao que Peter ia. Bane balançou a cabeça espantando os pensamentos conflituosos e apressou o passo pelo corredor, torcendo para que achasse a sala onde Isabelle Stuart estava. Não teve muita dificuldade em encontra-los, já que avistara a enfermeira dando as últimas informações para os parentes.

Aproximou-se e escutou a mulher reforçar as regras para os visitantes com delicadeza. Logo que a enfermeira abriu a porta, a família de Isabelle entrou na sala rapidamente. Não querendo atrapalhar aquele momento tão íntimo, Peter decidiu esperar do lado de fora. Cruzou os braços e encostou-se na parede do hospital ponderando as palavras de seu pai.

Não tinha reais motivos para não querer ir a um jantar de família, afinal, rever seu irmão depois de tantos meses seria bom. Passava tanto tempo trabalhando que basicamente esquecera de que haviam pessoas que ainda se importavam com ele, apesar de ser daquele jeito estranho dos Bane.

Mesmo com a certeza do afeto de seus pais em sua mente, Peter não conseguia se sentir confortável quando estava em um dos jantares que sua mãe oferecia. Já havia se passado 10 anos, mas ele não enxergava mais do que a decepção que trouxera aos seus pais na adolescência, uma época onde havia se rebelado e cometido mais erros do que pudesse contar em toda sua vida. Sentia-se envergonhado por ter feito sua mãe ficar noites acordada até tarde o esperando chegar ou por ter dado tanto prejuízo com um dos carros que ganhou do seu pai. Foi a primeira e última Mercedes que teria na vida. Era insensato, imprudente e rebelde quando mais novo e a vergonha pelos seus atos imaturos ainda lhe era carregada nas costas desde que decidira tomar um rumo melhor na vida. Até mesmo sua escolha de trabalhar para a polícia não agradou seu pai que desejava que seu filho mais novo tomasse algum rumo na área de saúde. Ainda assim, o fato de ter seguido sequer uma carreira já era válido, tendo em vista que todos esperavam que ele vivesse às custas dos pais até onde o dinheiro o levasse.

Confidente [Completo]Onde histórias criam vida. Descubra agora