IX. A FAMÍLIA BANE

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Peter Bane tinha a desculpa perfeita para não comparecer ao jantar de sua mãe. Além do caso importante que estava em suas mãos, sua cachorra, Sly, precisava de uma caminhada diária e deveria está enlouquecendo presa dentro da sua casa. Só de imaginar o estrago que seu sofá estaria, a vontade de voltar para casa era eminente. Ainda assim, o detetive decidiu sair no fim do expediente normalmente e foi em direção à casa de seus pais.

Garoava quando ele chegou no bairro de classe média alta de Kansas City. Uma das músicas mais antigas de John Mayer estava na metade quando ele estacionou o carro de frente a garagem de seus pais. Apesar de ser bastante abastados, o casal Bane era modesto. Peter lembrava poucas vezes de ver seus progenitores ostentar apenas pelo prazer de fazê-lo.

O detetive sentia-se ridículo ao apertar a campainha e descobrir que estava de mãos vazias. Deveria ter tentado ao menos preparar alguma comida, mesmo não sendo um ótimo cozinheiro. Porém, sua mãe pouco importou-se com isso: de tão emocionada com a presença do filho mais novo, abraçou-o quase partindo-o no meio tamanha emoção. Lá no fundo, ela acreditava que o filho não iria aparecer.

Ao andar pela casa em que ele cresceu, o detetive sentiu um embrulho no estômago. As imagens doces da sua infância eram escassas comparadas às conturbadas da sua adolescência. Peter quase pode ver-se entrar naquela casa bêbado e rindo enquanto sua mãe morria de preocupação; quase podia ver seu pai ainda com a roupa de hospital, a face exalando cansaço e fúria por ter que evitar a prisão de seu filho menor de idade que foi pego dirigindo sem carteira.

Klaus ainda possuía a cautela inicial, apesar de estar aliviado com a presença de seu caçula. O abraço trocado pelos dois foi estranho, desconfortável, o qual refletia o relacionamento instável que possuíam desde que Peter entrou na puberdade.

Ao perguntar sobre seu filho mais velho, Olivia Bane explicou que ele havia subido para tomar banho e logo iria se juntar a eles. Os três sentaram na grande mesa de vidro da sala de jantar enquanto ouviam a matriarca explicar sobre o dia estressante que teve. Peter observou a arrumação minuciosa de sua mãe e sentiu a boca encher de saliva com a ceia bem produzida que iria saborear.

— Soube que está com o caso dos Stuarts — disse Klaus sem olhar diretamente em seus olhos.

— É uma tragédia o que aconteceu com eles, não é verdade? — comentou sua mãe, de repente, parecendo bastante séria — Depois de tudo que eles passaram, terminar a história da família desse jeito…

— Como assim, mãe? — indagou Peter interessado.

— Casais interraciais não são tão aceitos na alta roda, querido — explicou ela enquanto colocava um dos manjares em seu prato.  — Claro que não é nada explícito, mas sempre há um clima estranho, uma desconfiança. Principalmente porque, além de negra, Gemma veio de uma família pobre, ao contrário do marido dela.

— Boa noite, família.

O rosto de Olivia iluminou-se como um raio ao ver seu filho mais velho entrar na sala de jantar, fazendo-a deixar o assunto de lado. Andrew Bane era, o que Peter dizia ser, a versão mais feia do detetive, embora a maioria das pessoas entravam em desacordo nesta questão. Possuindo uma natureza bem mais reservada, Andrew conquistava com sua fala mansa e inteligência sem a típica boçalidade de seus pares. Quem o via, dificilmente, o caracterizaria como um doutor em farmácia. Era o único da família que não possuía pose arrogante, mesmo sendo o que mais tinha credencial para fazê-lo.

— Meu lindo, sente-se! Fiz seu prato favorito. Você deve estar faminto — continuou Olívia apontando para a cadeira a sua frente.

— Como foi o vôo? — indagou Peter, polido.

— Foi bem tranquilo, irmão — respondeu Andrew com um sorriso genuíno e apertando seu ombro.

Era a forma minimalista deles demonstrarem afeto um ao outro, um cumprimento tão antigo que nem mesmo eles sabiam quando começara.

— E como vai na delegacia? Prendendo muitos bandidos? — perguntou Andrew ao se sentar.

— Ah, você sabe…

— Bem, não vamos falar sobre trabalho, sim? — interrompeu Olívia — Vamos apenas aproveitar esse momento em família.

Apesar de sua frase final, minutos depois a matriarca gabava-se dos prêmios que seu filho mais velho havia ganhado e das palestras que havia apresentado em Harvard. Há muito tempo, Peter tinha percebido que o problema nunca era falar do trabalho e sim falar do trabalho dele. E ainda havia a mais nova conquista de Andrew: no próximo semestre ele estaria ajudando um pós-doutorando em uma pesquisa na Universidade de Missouri enquanto refletia em qual faculdade das cinco que lhe ofereceram emprego. E ele, é claro, tinha apenas trinta e quatro anos de idade.

Ainda assim, o irmão mais velho de Peter estava constrangido com a vangloriação de seus pais. Em vãs tentativas de mudar de assunto, Andrew até mesmo trouxe à tona Lucy, no entanto, relembrar que ela residia tão longe de Peter, pelo que seus pais diziam ser falta de firmeza sua, teve efeito contrário. Bastou que a conversa se tornasse cheia de implicações sobre como o detetive deveria reger sua vida para a comida perder o gosto. E foi por isso que minutos depois ele inventou uma desculpa qualquer para ir embora. Ao se despedirem, Peter ainda ouviu seu irmão lhe pedir desculpas pelo constrangimento, um pedido genuíno, lembrando a Bane o porquê de não conseguir odiar seu irmão mais velho.

O detetive deixou a casa dos pais com um sentimento de perda. Uma dor pequena, angustiante à sua maneira, porém fácil de suportar. Ardia como um pequeno corte no dedo, quebrando o frágil dossiê do relacionamento instável com a família que Peter pintava em sua mente. Ele respirou fundo, cansado. Afinal, não era a primeira vez que aquilo acontecia e não seria a última.

Assim que ligou o carro e ativou a conexão do celular com o painel do automóvel, o número de Bárbara brilhou na tela. Atendeu preocupado, já que a mesma nunca o ligava a não ser que fosse em um momento de extrema necessidade.

— Alô, papai? — uma voz infantil e feminina ressoou pelo som do carro. Estava abafada, como se a criança estivesse escondida debaixo de um lençol.

Um sorriso involuntário desenhou-se no rosto do detetive.

— Oi, Lucy.

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N/a: Sei que o caso é muito mais importante, mas gostaria de dá uma luz sobre o passado do detetive. Espero que tenham gostado. :)

Segunda tem mais!

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