XV. A FILHA E O TELEFONEMA

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Beautiful Savior era uma das três igrejas luteranas localizadas em Lee's Summit; possuía uma arquitetura padrão, sem grandes pretensões de destacar-se na estrada. Naquele final de semana gelado, a placa avisava da reunião de jovens que acontecia todas as quartas e convidava os novos integrantes a festa que ocorreria na semana seguinte. Peter era membro da igreja desde o nascimento de sua filha e a visitava ocasionalmente nos domingos de manhã na escola dominical, logo depois indo ao culto escutar o sermão do Reverendo Adam Wallace.

A congregação luterana era pequena e o público era uniforme àquela hora da manhã: homens e mulheres brancos já acima dos quarenta. Os adolescentes que sentavam entre as cadeiras costumavam ser netos e filhos que não tinham muita escolha a não ser acompanhar seus responsáveis.

Há muito Peter havia entendido que participar de uma comunidade religiosa não estava ligado diretamente a manutenção de uma espiritualidade, no entanto havia uma beleza naquela rotina. Era um dos poucos momentos que ele não se sentia completamente só.

Na cartilha do culto havia os procedimentos litúrgicos: o que dizer e o que fazer. Passando as páginas encontrou um folheto com as orientação de um culto doméstico e particular de uma família. Bane não deixou de sentir um pequeno comichão no peito, a sensação de solidão dominando-lhe mais uma vez.

O sermão falava de generosidade e o reverendo contou um pouco sobre as visitas que fizera a alguns membros da comunidade que estavam doentes, alguns internados no hospital. Nem sempre o detetive estava concentrado no que o jovem pastor dizia; seus pensamentos flutuavam entre a conversa que teve com o irmão naquela semana e o relatório completo da perícia que deixou largado no sofá antes de sair. Que Deus o perdoasse pela falta de atenção.

Quando o culto finalizou, Peter retirou-se em silêncio. Observou o pequeno agitar dos bancos, os burbúrios de cumprimentos e a pequena discussão sobre o almoço. Peter sorria e desejava uma boa semana aos conhecidos, embora uma familiar melancolia o dominasse.

O único que não o tratava com sorrisos e palavras superficiais era o próprio Reverendo Wallace. Até onde Bane sabia, o reverendo não sabia de seu passado e quem ele era antes de entrar na igreja. No entanto, os olhares dúbios que recebia ao respondê-lhe sobre sua família indicava que Peter não era uma completa tábua rasa para o líder da congregação.

Voltando para casa, o detetive ligou mais uma vez o rádio. Lembrou-se das vezes em que sua filha vinha o visitar e comentava o quanto detestava country. Era apenas uma criança, mas já sentia-se uma adolescente. Estava crescendo rápido - toda vez que a abraçava, Peter percebia que Lucy estava maior. Antes seus braços gordinhos enlaçaram a panturrilha do pai, a falta de praticidade dos pés a fazia equilibrar-se nele. Crescendo, o abraço da menina rodeavam as coxas de Peter antes de estender os braços pedindo para subir em seus ombros. Agora já crescida, Lucy rodeava o quadril de seu pai com facilidade e alinhava-se nele de saudades todas as vezes que o via. A menina estava crescendo rápido demais.

O detetive ressentia-se por não poder acompanhar o crescimento de sua filha, ver os jogos de futebol que ela participava e buscá-la para tomar um sorvete nos finais de semana. Ele lembrava dos primeiros dias quando Lucy era apenas um bolinho de carne e precisava da sua ajuda para tudo. Peter lamentava não poder transferir-se para a cidade onde sua filha morava. Talvez, imaginava ele, assim que resolvesse o caso dos Stuarts, poderia conversar com o Capitão de novo.

Ligou para o celular de Bárbara, mas caiu na caixa postal. Tentou o telefone da casa, sem sucesso. Nervoso, parou no acostamento da estrada deserta para enviar uma mensagem para a mãe de sua filha.

"Bárbara, está ocupada? Onde está Lucy?"

Não demorou muito para ela responder:

"Estamos na igreja. Depois ela conversa com você"

"Ok."

Sua resposta era curta e pouco aberta a interpretações. A palavra era só uma forma de confirmar o aviso, escondendo a frustração que envolvia. Peter sabia que Lucy não estava apenas com a mãe, mas também o padrasto, Alexander Smith. O homem era decente e tratava bem a filha de Bane, no entanto o ciúme era um sentimento traiçoeiro: alojou-se nele com sutileza e não tinha previsão de sair. Encontrar imagens da filha com Alexander e Bárbara nas redes sociais eram outro tipo de soco no estômago. Aquele homem desconhecido estava acompanhando o crescimento de sua filha enquanto ele corria atrás de ladrões de bolsas.

Contrariado, Peter chegou na casa dele em alguns minutos. Saiu batendo as portas dos armários descontando sua frustração no móvel de madeira, usando a desculpa de que procurava algo para comer. Resolveu, então, comer uma salada que preparara em há alguns dias e provavelmente deveria ter sido descartada.

Tanto faz, titubeou ele ao perceber que a comida não fedia, dá para comer.

Ia colocando o primeiro garfo comida na boca quando o celular começou a vibrar. Por algum motivo, o detetive imaginou que fosse Bárbara, embora o visor anunciava que não era de nenhum número de sua lista de contatos. Atendeu no segundo toque.

- Alô?

- Peter? É Isabelle.

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n/a:

Já já eu volto. Só um segundo.

Confidente [Completo]Onde histórias criam vida. Descubra agora