XVII. A CONSCIÊNCIA E A INTELIGÊNCIA

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Peter não precisava ir direto para delegacia depois de ter atravessado o estado para deixar Isabelle. Na verdade, ele poderia pedir um dia de folga, já que fez um trabalho que não era necessariamente seu. Ele poderia estar dormindo de boca aberta no sofá com o corpo sujo de restos de batata frita. Havia um leque de possibilidades de atividades que não envolviam trabalho, mas, ainda assim, Peter Bane escolheu trabalhar.

E aquela escolha não veio de uma virtude dele. Bane não era um digníssimo homem e estava longe de ser um workaholic. O motivo de estar trabalhando quando não devia era que a consciência dele pesava.

Minutos antes de ir embora, estando o detetive Richard do lado de fora fumando um cigarro,  Isabelle Stuart beijou o detetive Bane. E pior: ele correspondeu.

Lawrence esperava-o no carro um pouco antes de voltarem pra Lee's Summit. Disse que ia esquentar o motor — no fundo, os dois sabiam que ele ia fumar. 

Peter deveria ir embora também. Estava ficando tarde e a movimentação estranha poderia por a perder o disfarce de Isabelle. 

Mas ela precisava de ajuda para trocar a lâmpada da sua casa nova. O kitnet que seria seu lar até o fim das investigações era confortável, mas possuía uma ou duas instalações velhas. 

— Obrigada por trocar a lâmpada — agradeceu a Stuart quando o detetive desceu as escadas.  — Obrigada também por ter me trazido até aqui em segurança. Me sinto mais segura com você por perto 

— Sinto muito que tenha a reencontrado numa situação tão trágica — disse Peter enquanto descia. — Receio que não tenha lembrado mais de nada, não é?

Ela cruzou os braços de modo a se proteger; os olhos escuros procuraram a janela da cozinha, distanciando-se de Bane.

— Tenho alguns sonhos às vezes... Quando eu consigo dormir... Mas não sei diferenciar sonhos e memórias — disse ela. — Tudo parece muito confuso. Não sei se não é tudo coisa da minha mente...

O rosto da sobrevivente da família Stuart denunciou a frustração que sentia. Suas memórias eram valiosas, a chave para a investigação, no entanto elas não existiam mais. 

Peter solidarizou-se. Deu um passo na direção dela, embora não soubesse muito bem o que fazer.

— A partir dessa semana você será acompanhada por profissionais, tudo bem? — falou ele confortando-a. — Eles vão te ajudar. 

— Posso ligar para você? — ela pediu em um sussurro. O pé esquerdo mexia em um movimento circular, o que a fez parecer muito frágil e acuada. 

— Não sei se é seguro — alertou Bane. 

— Por favor — pediu mais uma vez, os olhos ficando muito grandes e molhados de lágrimas.

Peter coçou a têmpora esquerda. De repente, o detetive sentiu-se muito cansado. As conversas com Isabelle eram sempre carregadas de uma densa camada emocional que o deixava exausto. Se eles fossem simples amigos, ele estaria disposto a ser o ombro que ela se apoiaria. Porém, Isabelle Stuart era a principal suspeita do crime; e ele era um dos detetives. 

— Está bem — respondeu por fim. — Mas só em caso de emergência.

Ela sorriu. Era uma fileira de dentes brancos, alinhados e felizes. Embora tivesse pesadas olheiras e o aspecto exaurido, Isabelle Stuart era uma mulher muito bonita quando sorria.

— Obrigada, detetive. 

A mulher deu um passo para frente. Ela o achava tão atraente. E ali, bancando o seu protetor, cedendo sua atenção para ela, Isabelle sentiu-se que era uma adolescente mais uma vez querendo a atenção de um menino que gostava. Porém, ela não era uma adolescente. Reconhecer isso fez-a aproximar-se do detetive com ousadia e dar-lhe um rápido encostar dos lábios.

Confidente [Completo]Onde histórias criam vida. Descubra agora