Le Chat Noir

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Sofia vestia uma saia plissada azul escura e uma camiseta vermelha sangue, com sapatilhas de bico fino combinando e os cabelos presos num rabo de cavalo comportado. Estava um tanto “a lá francesinha”, segundo sua mãe e “parecendo que vai para a igreja” para Laura. A linha tênue entre as duas comparações era o que Sofia desejava transmitir, então ficou satisfeita. Não sabia o que esperar do aniversário de uma pessoa tão singular como Dante, mas se preparou psicologicamente para qualquer resultado desastroso e possíveis complicações que poderiam surgir.

Realmente, ela pensou enquanto olhava pela janela do táxi em movimento, eu não me surpreenderia se fosse uma festa de gala ou uma raive punk cheia de álcool e drogas.

Ela resolvera aceitar de última hora o convite para a festa de Dante. Mas não fora sem motivo algum. Passado o efeito magnetizante da personalidade de Dante, ela pensara melhor sobre os efeitos de um garoto popular e esperto, repassando toda a conversa entre eles e decidindo por acabar com a dominação psicológica que ele exercera sobre ela e sobre sua determinação em dizer não a qualquer que fosse a sua proposta naquele dia. Sofia falhara miseravelmente em ser “difícil”, o que a deixou frustrada e decepcionada consigo mesma. Ela se esquecera facilmente de como os conquistadores podiam ser persuasivos quando queriam. Ela o subestimara. Em troca, novamente decidira o dar um cano.

Era o que ela havia decidido firmemente, mas não parara por aí. O dia posterior à troca de mensagens engraçadinhas—também o dia em que seria a festa de Dante—foi bem atípico para Sofia; logo que tomou o objetivo de apagar os sentimentos magnéticos que a atraíam para o mel de Dante, o garoto a surpreendeu por aparecer na porta de sua sala com um livro em mãos. Fora um ataque inesperado.

Não podia dizer que não ficara surpresa por ele se mostrar tão dedicado à ela um dia após sua primeira investida; ela esperava alguma fria distância que mostrasse um desinteresse súbito, algo para provar o seu amor próprio e orgulho que ela achou que o menino certamente faria. Ficou um pouco admirada pela falta de obediência às regras sociais implícitas nos charmes adolescentes que a maioria aderia. Mas Sofia rapidamente se desiludiu dizendo à si mesma que ele estava ali por qualquer outro motivo sem ser ela; porém, logo que ele a avistou, ficou claro que estava ali isoladamente para a agradar.

-Bom dia, Sofia.—Ele a cumprimenta com a voz maliciosa.

A menina apenas lhe dá um aceno plástico, forçando um sórdido “bom dia para você também”, que Dante tomou como uma piada, uma retaliação fria carinhosa.

-Pega, duquesa. Você vai gostar.—Ele fala a lançando o livro à alguns centímetros de distância e, para a infelicidade de Sofia, devido aos seus reflexos de gato—frutos do hábito de tanto jogar videogame com seu irmão—, o pegou no ar com precisão quase cirúrgica. Dante assobiou elogiando sua perícia e sorriu já a dando as costas.

Sofia cerrou os olhos para ele e virou o livro nas mãos, lendo o título: “A Metamorfose” de Franz Kafka. Ela já ouvira falar, mas nunca o lera. O tema do livro a deixou intrigada, mas mais ainda o motivo para ele ter a “indicado forçadamente” o lê-lo. Não podia negar que aquela demonstração pública de cumplicidade a tinha deixado tanto lisonjeada como também com uma certa dúvida pinicante.

O que esse garoto quer de mim?, ela pensa soltando um suspiro frustrado. Havia acabado de se decidir impiedosamente contra toda e qualquer maquinação do garoto e—se ele ao menos tivesse seguido o protocolo comum das normas de paqueras, consequentemente a ajudado a o desprezar!—contraditoriamente, já voltou ao mesmo patamar de antes: tola e efusivamente prendida na órbita gravitacional da presença de Dante.

Mas Sofia não estava apaixonada; não, isso era algo que exigia um sentimento mais puro e desprovido de tudo o que ela sentia em relação à Dante. Era o contrário de tudo o que ela sentia por Viktor, por exemplo. Por um, existia a confiança cega, no outro, a desconfiança intrínseca. Por Viktor, um sentimento borbulhante de compaixão, amor e amizade; por Dante, tudo ao que remetia ao mistério de emoções e sedutora curiosidade. Algo como a sensação sombria e enervante de adentrar um túnel escuro à toda velocidade; ao mesmo tempo que era assustadora, também lhe concedia um quê de necessidade de mais. Já a Viktor, era como caminhar na grama descalço num dia ensolarado, com um sentimento fácil e identificável de serenidade e satisfação que a deixava na mais alta nuvem de felicidade plena. Totalmente opostos, era assim que ela definia.

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