Encontro Duplo

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Um dia, enquanto brincava nos arbustos do jardim que dividia as duas casas—ou como Sofia gostava de apelidar, a “muralha”—, um velhinho de aparência agradável e delicada se aproximou para a observar.

Ele usava uma bengala de madeira simples, trajando um grosso sobretudo marrom-avermelhado sobre os pijamas e calçando chinelos de pano.

Edgar fazia a sua caminhada matinal prescrita pelo médico e, de início, não pretendia ir mais longe do que a quadra de tênis, do outro lado da casa; entretanto, por um repentino desejo de mudança, decidiu vagar pelos outros lados da propriedade, passando pela área extensa da piscina e da cabana. Acabou ali encontrando rastros de água pelo chão, em pequenas poças e respingos que formavam um caminho sinuoso até o final da propriedade, perto dos jardins que dividiam a casa principal e a do caseiro. A imagem à primeira vista lhe parecia um caminho de caracol, o que o divertiu.

Edgar seguiu diligentemente as pistas, tomado por um sentimento inesperado de curiosidade simples e espontânea. Fazia meses que estivera sob os mais ardorosos tratamentos e cuidados dentro da mansão, e recebia mimos e atenção o tempo inteiro, junto de sua família; porém, toda essa delicadeza era para suplantar a impressão dele de não ter mais liberdade. Fora um homem vigoroso na juventude, nunca sequer pegava uma gripe. Estava acostumado a não depender das pessoas e poder fazer o que quisesse quando quisesse. Depois do diagnóstico de câncer nos ossos, foi praticamente enterrado entre cobertas e medicamentos. Tudo isso fazia com que não se sentisse vivo, como um ser humano normal entre a sociedade; se sentia mais como um vegetal cozinhando, esperando mortificado até que sua hora chegasse.

Naquela manhã, resolvera fazer algo a respeito disso; mesmo que fosse nos limites impostos à sua saúde e a monitoração constante de suas “babás”. Exigira que todos lhe deixassem comer o café sozinho, se trocar sozinho, ir ao banheiro sozinho, e que pudesse caminhar sem uma enfermeira em seu encalço o tempo todo. Enfim, um dia para se iludir de que era um homem livre.

Ao se aproximar mais, começou a escutar pequenos sons de conversa. Através de um buraco no arbusto ele enxergou uma criança, uma menina de aproximadamente dez anos brincando com um pote nas mãos. Ela tinha cabelos castanhos e trajava roupas simples com manchas de tinta; Edgar apostava que sua mãe havia lhe dado roupas velhas para poder brincar no jardim. Nem sempre fora um homem rico, e sabia valorizar certos costumes da “classe operária” que algumas pessoas de status quo ao dele nem sequer imaginavam. Não era tão difícil se tornar rico, ele dizia aos netos, difícil era se manter nessa riqueza.

Ao pisar em falso em um pequeno galho, Edgar acabou assustando a menina, que soltou uma exclamação de susto e perguntou:

-Quem está aí?

-Só um velho doente.

Edgar se aproximou o bastante para que ela pudesse ter uma visão clara dele e, ao notar seus olhinhos escuros agitados o analisando em confusão, ele emendou:

-Continue a brincar, garotinha. Qual seu nome?—Ele questiona lhe dando um sorriso amigável de incentivo.

Sofia, ainda temerosa, mas curiosa sobre o estranho, escondeu atrás de si seu pote e respondeu:

-Sofia.

Edgar deu outro sorriso, assentindo brevemente, e em seguida observou as pequenas tralhas em volta dela: garrafas de refrigerante enchidas de água, pedaços de pano embaixo de uma boneca Barbie já velha, e tesouras sem ponta junto à uma sacola plástica.

-O que é isso tudo?—Ele pergunta puxando assunto.

Sofia franziu levemente o cenho, piscando concentrada, e Edgar se deu conta de que uma menina da idade dela acharia o seu português cheio de sotaque difícil.

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