Enquanto o Gelo Derretia

Arlequim

Assim que Sofia saiu do banheiro, vestida com sua roupa de banho e com o roupão cobrindo parcialmente seu corpo, entreaberto e com os chinelos felpudos e fofos agraciando cada pisar no chão branco e límpido do corredor, ela se dirigiu para onde a festa estava à pino. Seus cabelos ainda estavam úmidos e respingando em suas costas sob o roupão, mas como era uma noite quente e estrelada, isso mais lhe deu uma sensação nostálgica de sua infância despreocupada e alegre do que lhe causou incômodo.

No momento em que passa pela porta, Sofia desvia de um jato certeiro de água da piscina, abaixando no milésimo certo. Bruno havia pulado e esguichado água para todo lado, pois a piscina era curiosamente próxima à porta da varanda. Sofia o observou emergir e chacoalhar a cabeça como um cachorro molhado, gargalhando animadamente.

-Essa menina treinou com ninjas.—Dante comenta mais à diante, sentado numa espreguiçadeira com uma cerveja em mãos.

Sofia o observou com surpresa, se recompondo e andando em sua direção calmamente.

Diferente de Viktor, Sofia sempre ficava tensa e ansiosa perto de Dante; algo em sua presença misteriosa e serena deixava a menina sempre à posto, aguardando quando seria dado o golpe. As palavras de Karina a atormentavam e impediam-na de se deixar levar por sua gentileza sofisticada.

Dante estava rodeado de pessoas. Robert, que ela reconhecera do refeitório, estava na churrasqueira grelhando algumas carnes, com uma cerveja na mão; Bruno, encharcado da cabeça aos pés e sorrindo como uma criança que aprontou, correu para tomar o seu lugar num banquinho aos pés do dono. Além deles haviam mais dois garotos que Sofia não fazia ideia de quem fossem e um grupinho de garotas do segundo e terceiros anos estavam sentadas à beira da piscina, em frente a Dante, conversando aos cochichos. A mesa perto da churrasqueira estava ocupada por outro grupo de meninos da sala de Dante, que jogavam truco ruidosamente enquanto bebiam cerveja importada e dispendiosa. Sofia era a única ali vestindo o roupão, a deixando com um sentimento de estar por fora quase inevitável. Ao dar uma checada rápida ao redor, ela viu que o único lugar disponível para se sentar era numa rede pendurada solitária ao final do jardim.

Eu vim aqui somente para ser excluída, querendo ou não, Sofia pensa já se arrependendo de ter aceitado o convite.

Ela caminhou primeiro até Dante—interrompendo seu relato hilário sobre a viagem de seus pais no seu aniversário anterior até a Disney—e lhe estendeu o embrulho quadrado laranja-berrante.

Dante piscou como se fosse uma quebra de protocolo e a olhou confuso.

-Você não precisava me trazer um presente.—Ele a lembra.

Sofia acena e sorri um pouco sem graça, ainda com a mão estendida. Ela tivera coragem de conseguir o entregar o presente na frente da elite do colégio—que por sinal a fitavam com mistos de espanto e vergonha alheia esnobes—, mas não saberia reagir caso Dante negasse o gesto. Talvez ela tacasse na cabeça ruiva e encaracolada da Victoria Ramos, do terceiro C, que mascava um chiclete copiosamente enquanto ria de Sofia sem disfarçar.

-Eu sei, mas achei isso no shopping mais cedo e pensei que ia gostar. Toma.—Sofia achou melhor agir e depositou despreocupadamente o pacotinho em sua coxa, se virando para ir até o seu cantinho e rememorar seus arrependimentos. Agora já eram dois.

Por que diabos ela comprara um presente para aquele menino mimado? Por que ela viera até aquela festa ridícula?

Ao invés de se sentar solitariamente na rede, ela, num ato de revolta, resolveu pelo menos que iria esbanjar a comida daquela festa.

Pelo menos a minha presença além de embaraçosa vai causar alguma despesa, ela pensa indo até onde Robert estava e pegando algumas carnes em palitos, se servindo do suco que estava ali.