1º Parte: Nem todos têm a capacidade de sonhar

709 13 1
                                    

Estava de noite, ia finalmente poder dormir. Todas as noites me deitava com esperanças de poder sonhar. Em quinze anos de vida, nunca tinha sonhado. Parecia impossível, mas era verdade. Nem sequer sabia qual era a sensação de fechar os olhos e apenas deixar-me levar para... nem sequer conseguia terminar a frase, pois não faço a mais pequena ideia de como será a sensação.

 - Bem, só consigo chegar a uma conclusão, não sou normal. – Comentei para mim mesma.

 Só quando a minha mãe entrou no meu quarto e ficou a olhar para mim, é que me apercebi que  tinha falado não tinha simplesmente pensado. Resolvi explicar a minha afirmação, antes que a minha mãe achasse que tinha enlouquecido e começasse a pedir-me para parar de dizer coisas estúpidas.

 - Acredita que é isso que acho. Não consigo perceber porque é que todos os meus amigos têm sonhos e eu nunca tive nenhum?

 A minha mãe aproximou-se da minha cama e sentou-se ao meu lado, enquanto o meu pai se encostava a ombreira da porta.

 - Querida, é claro que já tiveste sonhos, apenas não te consegues lembrar deles. Acontece com muitas pessoas, não és a única. – Explicou-me, fazendo-me sinal para me deitar - Agora tens de descansar que amanhã vai ser um dia muito cansativo e muito especial.

 Suspirei, mas fiz o que me pediu. Assim que a minha cabeça tocou na almofada, o meu pai aproximou-se da cama.

 - A tua mãe tem razão. Não é todos os dias que fazes dezasseis anos.

 Era óbvio que os dois estavam a tentar mudar de assunto. Cada vez que lhes perguntava acerca dos sonhos, era sempre o mesmo. Se era assim tão normal, não percebia por que era tão difícil para eles falarem sobre isso. Esta noite, estava decidida em conseguir obter mais informações. Era assim que queria começar os dezaseis anos, com uma justificação por ser diferente das outras pessoas.

 - Mas não conheço ninguém que nunca tenha sonhado – continuei a insistir no assunto.

 - Claro que conheces – respondeu-me o meu pai.

 Virou-se para a minha mãe e perguntou-lhe:

 - Como é que se chama o filho da Jessica e do Jaime?

 A minha mãe ficou a olhar para o marido, concentradíssima. Cada vez que se tentava lembrar de qualquer coisa parecia entrar em transe como se tivesse ido fazer uma viagem a lua. Segundos depois, abanou a cabeça.

 Como não estava a perceber nada resolvi intervir:

 - Posso saber de quem é que se estão a tentar lembrar? Talvez consiga ajudar.

 Os dois voltaram a olhar para mim e o meu pai perguntou-me:

 - Conheces aquele rapaz da tua escola que os pais são médicos? Como é que ele se chama?

 Claro que o conhecia, não pessoalmente mas já o tinha visto pela escola, também não era muito difícil. Praticamente todos os alunos gozavam com ele. Era conhecido como a "Farmácia ambulante" ou então "Génio dos medicamentos". Pelo que sabia dele, o rapaz sabia o nome de praticamente todos os medicamentos, para que serviam e os seus efeitos secundários. Como se fosse um médico júnior. Apesar de já ter ajudado muitas pessoas na escola, continuava sem amigos, pelo menos via-o sempre sozinho.

 Tive de fazer um enorme esforço para me lembrar do seu verdadeiro nome, pois era apenas esse que interessava.

 - Chama-se Nathan – disse por fim, depois de vários segundos a tentar lembrar-me – O que se passa com ele?

 - Ora, ele também nunca teve nenhum sonho. – Esclareceu-me a minha mãe.

 Ok, não estava nada a espera desta notícia. Havia uma outra pessoa com o mesmo problema que eu. Estava tão perto de mim e nunca me tinha apercebido disso. Também, não haveria maneira de descobrir. Não tinha propriamente andado a fazer nenhum inquérito a todas as pessoas para saber se sonhavam ou não.

 - A sério? Nunca? – Perguntei-lhes ainda incrédula.

 Os dois apenas abanaram a cabeça.

 Assim que o choque inicial daquela novidade passou, havia algo que não fazia muito sentido.

 - Como é que sabem isso? Conhecem-no? Foram perguntar-lhe?

 Os dois pareciam hesitantes, como se as minhas perguntas os tivessem apanhado de surpresa.

 - Conhecemos os pais dele... do hospital – começou a minha mãe a dizer até que o meu pai a interrompeu.

 - Sim, isso mesmo. Os dois são os nossos médicos e um dia calhou em conversa falar sobre vocês os dois. Aproveitamos e perguntamos se era normal nunca teres sonhado. Foi assim que nos contaram que o filho era igual.

 Fiquei a olhar para os dois, pareciam nervosos. Algo naquela história fazia pouco sentido. Os dois praticamente não tinham tempo para descansar quanto mais para irem a consultas em conjunto e ainda por cima terem tempo para falarem sobre os filhos. Estavam sempre a queixar-se de que não tinham tempo para respirar. O que era engraçado visto que eram cientistas e estavam naquele momento a estudar o oxigénio e gases erosivos.

 Resolvi não insistir mais, de qualquer maneira ia acabar por descobrir o que estavam a esconder, pelo menos descobria sempre... quer dizer, nem sempre dependia das coisas. Nunca tinha conseguido descobrir o que escondiam no laboratório e na garagem, segundo eles tinham objetos muito perigosos para andar a brincar e podia estragar anos de trabalho.

 - Está bem. – Disse bocejando – já estou a ficar com sono.

 Despedi-me dos dois e assim que fecharam a porta, fui buscar um livro e comecei a ler.

 Devia ter passado uma hora quando ouvi, vozes do outro lado da porta do meu quarto. Claro que só podiam ser os meus pais. Fechei o livro e aproximei-me para ouvir o que diziam.

 Minutos depois, os dois afastaram-se. Eu não sabia o que fazer, nem o que pensar. Não podia ser verdade o que tinham acabado de dizer, não podia, não era possível. Nada parecia fazer sentido mas ao mesmo tempo fazia, pois era uma possível justificação. Talvez tenha tido finalmente o meu primeiro sonho. Os meus amigos tinham-me dito que nestes casos para acordar devia beliscar-me ou esperar que o sonho acabasse.

 Afastei a manga do pijama e belisquei o meu braço, a única coisa que senti foi uma pequena dor. Bem, segundo a primeira opção, estava acordada.

 No entanto, saber que estava acordada, não ajudava em nada, apenas piorava a situação. Afinal sempre era anormal.

Sonhos de IlusãoOnde histórias criam vida. Descubra agora