O Começo

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Lauren jauregui Pov-

Engraçado, o sol sempre é o mesmo em todos os lugares mas, aqui no Brasil sinto que ele brilha com mais intensidade. Aqui, de dentro desse avião, ele me parece maior ainda. Tinha esquecido depois dos anos que passei fora, fugindo de mim. Faltando algumas horas para a aterrissagem, penso que não é apenas o sol que banha essas terras que é diferente, que mudou. Eu também não sou mais a mesma e como é difícil para mim que já relatou tantas estórias, criou muitas outras, escritora e jornalista conhecida no mundo todo sentir essa angustia só de pisar novamente esse solo, respirar outra vez esse ar. Inventei personagens, dei-lhes vida, vivenciei a vida de muitas pessoas e com minhas palavras as transformei. Meu lar nesse período, eram os lugares onde as pessoas precisassem de minhas palavras, seja para o conforto de suas vidas ou para ajudá-las a dar voz àquilo que não se podia dizer. As palavras possuem um poder que não se pode calcular. Por isso sempre preferi a escrita e decidi então, que o papel seria minha voz porque assim seria ouvida. Minha mensagem chegou aonde minha voz nunca alcançaria sozinha. Eu jamais gostei de falar de mim, por isso vou mais uma vez escrever e espero que as lembranças do passado me ajudem a encontrar as respostas que busco, as lembranças podem nem sempre serem boas, mas fazem parte do que hoje sou e toda estória boa ou má tem sempre um começo, então vamos a ele.

Nasci numa dessas cidades do interior, comum como qualquer cidadezinha desse país continente que é o Brasil e apesar de estarmos em 1978, ainda se vivia como nos tempos de colônia. Não conheci meus pais biológicos até porque me encontraram na porta da igreja (na verdade, uma pequena capela em honra a Nossa Senhora das Graças) numa noite em que ventava bastante, mês de março, pelo padre Simon segundo ele me contou após muitos anos, guiado pela santa porque naquela noite ele tinha se demorado um pouco mais nas orações e atrasado o fechamento da igrejinha, quando começou a ventania que era o prenúncio de uma grande tempestade e então ele resolveu ir para a pequena casa paroquial que ficava quase em frente e ali me encontrou, dentro de uma caixa de papelão ainda suja de sangue, nos degraus da entrada. Então ele, homem de muita fé presumiu ser um milagre, talvez tenha sido alguém lá de cima que deve ter achado que eu tinha uma missão a cumprir por aqui. Há alguns dias, pensando sobre meus pais biológicos, fiquei me perguntando se eles quiseram me conhecer ou souberam quem eu era.

O fato logo se tornou notícia como tudo que acontecia por ali onde todos sabiam da vida alheia e talvez alguém até soubesse algo, mas era perigoso naquela época, pois podia ser motivo de um escândalo. Talvez filha bastarda de algum influente homem da cidade com sua empregada, ou de uma das suas respeitáveis senhoras que por um descuido tivesse se deixado seduzir por um de seus peões; vai saber, mas isso na verdade nunca me preocupou, pois tive os melhores pais do mundo. Quando o padre Simon se viu com aquela criança nos braços, lógico, que ele não sabia o que fazer, mas a primeira providência foi me dar um nome, então ele começou a me chamar de Lauren, nome, segundo o bom padre, da pessoa mais santa que ele tinha conhecido até então, sua mãe. Foi ela que lhe tinha mostrado o caminho para Cristo e eu que nunca fui santa, acreditei nele quando da estória fiquei sabendo. O padre bem que tentou em seus sermões convencer seus ilustres paroquianos a me adotarem, argumentos não faltavam, eu era um bebê tão bonitinho, olhos verdes como duas esmeraldas, cabelos castanhos e lisinho como de um anjinho, boa saúde, constatada pela enfermeira Joelma, a única referência de saúde naquela cidade, mas de nada adiantou. Os poderosos tinham sua própria linhagem para criar, nunca misturariam seu sangue com o de uma bastarda. Mas foi aí que um casal, que nas missas costumava sentar nos últimos bancos, pois não eram dignos segundo o costume da época de sentarem nos primeiros, resolveu me dar uma oportunidade. Minha mãe se chamava Maria e como a mãe do Cristo, símbolo de humildade, apesar de muitos a acharem inferior apenas pela cor de sua pele, negra, linda, com todos os traços característicos de nossos irmãos africanos.

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