Três anos parte2 II

59 7 0
                                    

Ao chegarmos à cidade meu pai fez questão de passar pela mercearia de seu Mike, segundo ele para pegar algumas encomendas. Tenho certeza que na verdade ele queria apresentar o futuro genro para seu Mike e assim logo toda a cidade saberia.

De dentro do carro, enquanto Shawn, meu pai e seu Mike conversavam do lado de fora, notei Chris atrás do balcão e nossos olhares se encontraram e por um minuto senti que ele me olhava com desprezo e ódio, com a certeza de que não podia mesmo esperar nada de bom de mim. Não resisti e saí do carro entrando apressadamente na mercearia, deixando os três homens do lado de fora espantados.

_Ela ainda está no sítio Chris? Perguntei a queima roupa, antes que alguém entrasse.
_Para que você quer saber? Para magoá-la mais? Fui eu que tive que ficar aqui nesses três anos tentando juntar os cacos que você deixou.
falou com um ódio enorme na voz.

_O que não deve ter sido nenhum sacrifício para você. Só uma palavra sim ou não, insisti; enquanto os homens do lado de fora entravam.
_Algum problema Camila? Questionou um preocupado Shawn ao entrar.
_Não só dando um olá, não é Chris?
Ele ficou em silêncio me encarando profundamente até que finalmente falou
_Sim.
entendi que era a resposta.

Voltei novamente para o carro colocando minha mente para trabalhar em como iria fazer para ver Lauren e nos dois dias que se seguiram não ouve oportunidade até porque só saia do quarto para as refeições, isso sobre os olhares vigilantes de madame Valquíria que continuava a mesma de sempre, sem sentimentos, só feita de regras.

Minha mãe a tinha mantido ali até mesmo contra a vontade de meu pai que não via mais sua necessidade, mas era a única amiga talvez de dona Sinu, e esta fez questão de sua presença. Zefa mostrou-se feliz em me ver, mas não tive coragem de fazer a ela nenhuma pergunta sobre Lauren.

Era véspera de natal e lá embaixo se ouvia todo o barulho da organização da suntuosa festa que minha mãe e Allyson tinham planejado.
Shawn tinha voltado para a capital e voltaria no dia seguinte com o pai e irmã. Bateram na porta do quarto, enquanto eu observava tudo da janela. Para minha surpresa vejo entrar padre Simon e corro para abraçar um rosto amigo depois de tanto tempo.

_Como minha menina está bonita meu Deus.
foi dizendo sorridente.
—E não poderia estar mais bela, já que fez uma escolha que espero traga a você muitas felicidades. E se seu noivo não for um bom rapaz, fale com o velho padre aqui que lhe darei um bom puxão de orelhas.
_Não vamos falar disso padre, pedi com tristeza na voz. Vamos falar da saudade que eu tenho de quando tocávamos naquele piano antigo lá da sacristia escondido de todo mundo.

_Quer dizer você tocava não é minha filha? Ouvi coisas muitas boas sobre suas apresentações fora do Brasil. Você ainda vai levar o nome de nossa pequena cidade para bem longe. Vocês jovens, tão cheios de vida e esperanças.

_Espero que o senhor tenha razão,
_O quê é esta tristeza que percebo filha? Não está feliz?
Falou preocupado.
_E como estaria se sinto minha vida fugindo de minhas mãos, padre.
_Então a agarre forte filha e não solte mais, porque por mais que os outros achem que podem guiar nossos destinos, ele está ligado somente às nossas vontades; esse é o maior presente de nosso Criador para a humanidade.
_Parece que Deus acabou de me esquecer, padre.

_Nunca diga isso filha. Olha só sua amiga Lauren, que passou por tantas coisas na vida, primeiro sem saber quem foram seus verdadeiros pais, depois perde os únicos que conheceu pelas fatalidades da vida, mas nem por isso desiste e agora está pronta para encarar o desafio de sair daqui e enfrentar os desafios da capital para estudar e tornar-se alguém.

_Lauren está indo embora?
Falei com expectativa.
_Depois de amanhã. Parece que tem planos para entrar em uma faculdade federal. Ela e Chris vão prestar vestibular juntos.

O padre continuou a falar sobre sua alegria por estar presente em um momento, segundo ele, tão importante para mim, mas eu já não ouvia nada. Só pensava em uma forma de me despedir de Lauren já que poderia ser a última vez de nossas vidas.
Mas no mesmo momento me bateu um ódio do Chris, que agora com certeza iria dar a cartada final, pois estando junto dela na capital teria todo o tempo do mundo para convencê-la de seu amor. Talvez até acabassem juntos e era bom eu realmente estar longe porque não suportaria isso, pensei. Egoísmo meu, até porque nunca soube como o meu casamento teria afetado a vida de Lauren.

A noite chegou e com ela o começo de minha angústia. Não vou me perder em lembranças daquela noite onde todos pareciam felizes menos eu, até porque passei a noite toda só pensando em como poderia escapar pelo menos por algumas horas de todos aqueles olhares e não reparei muito em outros detalhes.

Depois da benção das alianças e da dança, onde houve um singelo tocar de lábios a qual não senti nada, era como beijar minhas bonecas em criança, só que com menos emoção;

começou a chover o que não pareceu apagar os ânimos dos convidados, muitos amigos de Shawn que tinham vindo da capital e que eu não conhecia. Abracei forte padre Simon ao me despedir dele e se soubesse que nunca mais o veria, teria dito palavras mais carinhosas. Só fui saber de sua morte através da orelha do primeiro livro de Lauren , já que ela o dedicou a ele.

Perto das duas da manhã, notei que muitos convidados já haviam se retirado e aproveitei que todos estavam ali mais que embriagados apenas de suas felicidades, para inventar um súbito mal estar e subir, mas dessa vez me preocupando com madame Valquíria. Como eu esperava, ela me seguiu até o quarto, mas dessa vez, não perdi tempo em me trocar e assim que começou a cair quase um temporal, parece que ela pensou que era o sinal de que eu iria me comportar, pois apenas uma pessoa fora de si enfrentaria aquele dilúvio e saiu da porta de meu quarto.

Bem, naquele momento eu era essa pessoa e não pensei nem um minuto em recuar e trancando o quarto por fora, saí pela lateral quase sem enxergar nada e com os pés quase atolando na lama, corri em direção ao sítio.

Ao chegar à porta da frente bati com o resto de forças que eu ainda tinha e estava preocupada com a demora para que ela abrisse a porta e foi só naquele momento que me veio à cabeça o que deveria dizer e quando esta se abriu, antes que ela dissesse algo fui quase a empurrando para dentro, até porque estava quase congelada e fui tampando sua boca com uma das minhas mãos, enquanto com a outra fechava a porta.

_Eu te solto se você me prometer não gritar e ficar quieta para ouvir o que tenho para falar.
disse antes que ela me negasse e pareceu que seu olhar brilhava com um sentimento que eu não soube definir, ela apenas balançou a cabeça e então continuei:

_Eu não tenho culpa, acredite. Estão me vendendo, sou apenas um objeto a ser negociado. Meu pai perdeu muito dinheiro e pegou com o pai do Shawn emprestado um grande montante e agora não pode saldar. Acredite,
disse tirando a mão de sua boca.
—que não é agradável saber que não passo de uma mercadoria com preço no mercado. Não me olhe como se eu fosse a mais rastejante das criaturas, não agüentaria este seu olhar. Fiquei sabendo que você também vai partir e fiquei morrendo de inveja e ciúmes, você terá opção de seguir sua vida guiada por suas vontades e isso já me foi tirado há muito tempo. Acredite, nesses três anos que fiquei longe, foi sua lembrança que me manteve firme então acredite, pois todo dia meu único pensamento é para você.

Letra e Música Onde histórias criam vida. Descubra agora