O encontro parte 2

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Nunca vou esquecer o cheiro daquela manhã. Parecia que seria igual a todas as outras. Horário para levantar, para tomar café da manhã, tomar notas de matemática e línguas, hora do piano, enfim, tudo normal.

Mas o sol brilhava lá fora e pela janela entrou um cheiro bom, era o cheiro da vida e eu parecia uma princesa presa em seu castelo e tenho certeza que muitos invejavam minha posição dentro daquela gaiola dourada.

Tinha acabado os últimos toques sobre as minhas teclas amigas, quando meu pai entrou.
_E como vai minha menina.
foi logo dizendo e me abraçando forte.

—Olha o que eu trouxe para você, presente já que estamos perto de minha rainha fazer dez anos
disse animado, mas percebi tratar-se de mais uma boneca, não diferente das muitas que eu tinha.
_O que foi?
Perguntou notando minha tristeza.

_É que eu queria brincar lá fora, e apontei para além de minha janela.
_Nós já conversamos sobre isso, filha. Sua mãe tem razão, lá fora pode ser muito perigoso para uma menininha
creio que pensava em Karlos
Eu voltei meu olhar para a janela e papai tentando me tirar da tristeza que me abateu disse simplesmente:
_Adivinha o que tem na cozinha? Sorvete de baunilha que mandei vir da capital só para você.
_Obaaa
sorri satisfeita, uma das coisas boas que me lembro da minha infância eram os pequenos potes de sorvete que tomava na cozinha.

_Então corre lá e garanto também que tem outra surpresa te esperando, falou em tom misterioso.

Se papai soubesse que ele me mandava para meu destino, teria pensado duas vezes.

Corri toda alegre em direção a cozinha e abri a porta subitamente
me deparei surpresa com uma criança que estava ali.

Eu nunca tinha visto uma de tão perto e a percorri com meus olhos indagadores.

Meu Deus, agora escrevendo tenho certeza; foi ali que me apaixonei, ao me deparar com seus olhos verdes tristes, mas de um brilho impressionante, não era de se supor aonde Lauren iria chegar.

Num impulso perguntei a Zefa, nossa empregada e hoje tenho certeza, mais uma das amantes de papai, quem era.

Ela confirmou que era a filha do Tião e Maria, um casal que papai tinha ajudado dando um pedaço de terra perto da fazenda, motivo de muitas discussões entre Seu Alejandro e Dona Sinuhe que eu corria para meu quarto para não escutar.

O mesmo quarto em que me escondo hoje. Tião era o peão de confiança de papai, seu braço direito e muitas vezes o via no escritório indo receber as ordens de seu patrão.

Já Maria andava pela fazenda toda com Zefa cuidando da arrumação e fazia uns biscoitos maravilhosos que eu tomava com leite. Alias as duas tinham mais paciência e carinho comigo que minha mãe.

Mas eram negros e a menina que via era quase tão Clarinha que chegava a impressionar.

Fiquei impressionada com a força de seu olhar e discordei de Zefa me referindo à cor de sua pele. Notei que o mesmo faiscou num misto de tristeza e ódio ao ouvir Zefa dizer que era de criação. Como criação? Então se criava crianças como se criava bois e galinhas? Só fui entender depois quando da visita de padre Simon ele pacientemente me explicou e contou que Luiza tinha sido abandonada e era adotada pelo casal de empregados de meu pai.

Como alguém podia abandonar uma criança tão linda, pensei. Mas naquela manhã estava feliz por confirmar que não era a única criança do mundo. Convidei-a para tomar sorvete e acho que ela não sabia o que era aquilo, pois simplesmente devorou o pote antes que eu chegasse à metade do meu, até porque não conseguia desde aquela época, tirar meus olhos dela.

mas logo sua mãe entrou e me disse que a minha estava me chamando e eu estava tão feliz que não queria criar caso com ela e precisei de uma força quase sobrenatural para ir embora dali, pois tinha tanto para dizer e saber daquela menina.

E assim foi, comecei a sair escondido pela cozinha sempre que minha mãe e madame Valquíria não estavam olhando indo passar da porteira pela primeira vez na minha vida e descobrindo perto dali um mundo de aventuras com Lauren que já não me olhava mais com ódio e sim ria das minhas estórias de menina rica e só então percebi o tanto que eu era ignorante perto de sua sabedoria de vida.

Chris, o rapazinho das entregas, nos levava para pescar e caçar, e a principio com má vontade mas aceitou minha presença por imposição de Lauren, porem hoje sei que o quê ele sentia era ciúme. Papai me pegou uma vez chegando toda cheia de lama e me assustei pensando que iria levar bronca, mas ao contrário riu muito ao saber com quem eu estava e o que fazia e achou que a companhia de alguém da minha idade só poderia me fazer bem, já dona Sinuhe quando descobriu, me passou vários castigos e ficou horrorizada com a influência de tão baixa gente.

Mas não me importava, quando Lauren pegava minha mão para me levar para o desconhecido, era um mundo mágico que nem dona Sinuhe poderia tirar de mim.

Para tentar me controlar e afastar de Lauren, minha mãe começou a entrar em contato com renomados professores de música de todo o país e muitas vezes me levava pessoalmente para tocar para tão ilustres senhores.

A música para mim era uma diversão apesar de muitos poderem achar se tratar de uma obrigação. Só não gostava de estar longe de Lauren e sempre procurava tirar fotos para mostrar a ela depois os lugares que eu visitava.

Quando conheci o mar foi tamanha emoção que a primeira coisa que pensei é que queria muito que ela estivesse ali comigo, como tinha sido na nossa primeira comunhão, onde ela ficou segurando minha mão todo o tempo, me passando um calor que me aquecia o coração.

E assim passaram rápidos cinco anos de nossas vidas e foi na minha festa de quinze anos que descobri que o calor que fazia minha alma vibrar ao estar ao seu lado não era apenas Amizade como Eu pensava, tinha outro nome: era amor

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