bitchcraft

107 12 73
                                    

Eu e SeulGi não demoramos a tomar afeição com a outra. Poucos dias depois, soube de sua vida, seu passado, seus pecados. Uma boa garota, apesar de tão turbulenta e problemática.

Contou-me sobre a razão pela qual pedira transferência para minha turma, e ela fora apenas uma: eu. Apesar de considerar isso como alguma forma suavemente doentia de perseguição, logo entendi seus sentimentos e a forma como ela queria mudar coisas tortas que frequentemente a acompanhavam.

SeulGi viera de Seul no início do ensino médio, assim como eu fizera vindo de Toulouse. Não simpatizou com muitos, nem simpatizaram com ela. A turma onde estava, 300-A, é uma turma ligeiramente abaixo do que se espera para uma turma com jovens e jovens adultos nela inseridos. Pessoas de caráter pouco confiável ou com personalidades beirando o medíocre e inescrupuloso. Soube disso nas únicas reuniões que tive no conselho de classe, junto de outros líderes do ensino médio. A líder do conselho nesta turma é uma menina canadense, Astrid Courthouis, talvez popular no mesmo nível que sou. Nossas popularidades tem razões diferentes: enquanto conhecem-me por ser altruísta e cuidadosa em meu julgamento, Astrid é famosa justamente por dominar totalmente a arte de ser uma vadia.

Ela e suas duas melhores amigas, Victoria Song e Rebecca Nielsen, respectivamente vindas da China e Suécia, são como suas fantoches. Com pouca vontade própria, acatam suas ordens sem dizerem uma única palavra. Não são nocivas, pelo menos não tanto. À SeulGi, pelo menos, simpatizaram-lhe o suficiente para dizerem-lhe palavras básicas e não acabarem com sua reputação. Outros não tiveram a mesma sorte. Lembro-me bem quando no início do primeiro ano, logo após nossas eleições, um maldoso burburinho sobre uma das alunas da sala surgiu. Pamela Dellahine era seu nome, nunca esqueci dele. Uma sextape dela foi vazada com um ex-professor do colégio e, ao que tudo indica, disseminada maliciosamente por Astrid depois de Pamela destratar Rebecca, que não era tão malvada na época. Astrid, do contrário, sempre conteve a arte de ser uma vadia em seu sangue, mas nunca foi provado que foi ela a autora do post que destruiu a reputação de Pamela, que voltou para a Suíça logo que seus pais descobriram do infame acontecimento.

Com uma líder assim, o resto dos presentes não poderia ser diferente. SeulGi, chocada com a cultura diferente e com pessoas que não ligavam em ferir outras, trancou-se em um casulo. Não se dava bem com a mãe, o pai que ela amava precisou permanecer na Coreia. Logo, acabou solitária em uma escada que parecia só descer. Queria a atenção da mãe, fez merdas irreparáveis para tê-la. Bebidas, drogas, violência e roubos fizeram parte de uma pequena parte de sua juventude, que foi interrompida depois de sua prisão. Se ela queria que sua mãe olhasse para ela, agora ela tinha todos os holofotes sobre ela. Diferente do que esperava, as luzes eram quentes e escuras e não a salvaram da dor. Sua mãe a prendeu durante tempos dentro de uma gaiola não-literal, evitando que ferisse a outros e a si mesma, e SeulGi lutou para que a pressão que vinha de todos os lados tirasse menos seu bom coração, escondido lá no fundo. Foi aí, então, que eu surgi.

- Vi em você a esperança para sair de onde estava. De onde me estagnei - foi o que ouvi de sua boca enquanto sentávamos na mesa de meu quintal, perto da piscina, aproveitando do pouco sol para aquecermos nossas peles. Eu sorri para ela e ela caminhou com seus dedos até chegar sobre minha mão, que repousava sobre o tampo de madeira. - Eu quero ser alguém como você. Alguém bom.
- Você não é má, SeulGi. Ainda há muito de você que pode mostrar. Suas melhores partes.
- Eu preciso melhorar. Sei que farei isso ao seu lado.

Entendo tudo o que ela fez em sua vida e sei que posso ajudá-la em muito. O fato de que ela não está mais perto de pessoas como Astrid já é um bom adianto para qualquer coisa que ela faça.

Penso em tudo isso enquanto vejo-a se aprontar para uma festa, em meu quarto. Ela insistiu para que eu fosse mesmo quando festas não são minhas coisas favoritas, mas decidi ir apenas para acompanhá-la. Seus cabelos escuros e lisos tem crescido mais, ela diz querer cortá-los, mas insiste que quer que eu o faça. Seu corpo coberto de suas roupas íntimas anda pelo ambiente colorido em tons de um rosa envelhecido, e escutamos a música que ela escolheu em um som médio nos alto falantes. Nosso primeiro mês de amizade, no caminho que percorremos até aqui, tenho notado a forma como tudo o que ela faz é tentando ser melhor. Seja em personalidade, aparência, convívio social. Sua participação nos clubes dos quais participa, teatro e ações sociais, além da equipe de líderes de torcida, tem sido ativa. Vejo seu sorriso muito frequentemente e é isso o que tem me deixado feliz. Vejo que, depois de tanto tempo, uma amizade tem clareado a cor de meus dias. Eu agradeço por tê-la.

- O que acha? - ela questiona, com uma saia preta de couro, um top branco gelo e fishnets, jogando por cima de tudo um casaco de pele falsa cor de rosa, com correntes douradas nele pendurado. Aprovo com a cabeça e aproximo-me dela para ajeitar as franjas de sua parte de cima.

Ela me olha fixamente, com brilho nos olhos, enquanto tem a mim sentada na cama, ela de pé. Então, logo que vê que concluí meu serviço, sinto suas mãos pouco mais frias que o normal empurrarem meu corpo sobre a cama, tirando seu casaco e atirando-o sobre mim. Rio da reação inesperada, e quando retiro de meu rosto os tecidos pesados, vejo que ela está mais uma vez despindo-se das roupas que lhe emprestei, sentando-se logo depois na cadeira frente à penteadeira.

- O que deseja, madame? - questiono-lhe, e ela abre a gaveta do móvel, tirando de lá uma tesoura. Reviro os olhos. - Já disse que não sei fazer isso.
- Você é Louise Dèschamps. O que não sabe fazer?

Suspiro, sem um pingo de irritação. SeulGi põe expectativas altas demais em mim, mas não que devesse. Eu não sou alguém perfeito, impecável, como ela acha. Ainda assim, não recuso seu pedido. Eu não sei dizer não para SeulGi, é algo que simplesmente não consigo controlar.

Sento-me frente a ela, pegando de suas mãos a tesoura, e penteio sua franja com um pente fino. Ela mantém seus olhos fechados enquanto eu o faço, e eu passo a tesoura vagarosamente por cima de suas sobrancelhas, cortando sua franja. Suas mãos passam de suas coxas para as minhas, e vejo isso como uma forma de aproximação para que meu serviço seja facilitado.

- Nade, nade agora, eu posso te levar mesmo sem nunca ter estado lá/ A maré continua a bater em mim de novo e de novo/Eu já estou me afogando a um tempo mas seu corpo continua me puxando.

SeulGi canta doce e suavemente, os olhos bem fechados. Adoro ouvir sua voz enquanto ela parece entregue a cada melodia que canta. Seus olhos se abrem quando o som seco e curto do corte à tesoura é finalizado, e ela olha para mim enquanto sorri. Ela está perto, um pouco até demais, e eu curvo minha cabeça para o lado em dúvida enquanto ela ri de minha expressão confusa. A música continua tocando nos alto falantes, e seus olhos percorrem minhas expressões como se a conhecessem bem.

- Você é a melhor, Lou. Como sempre - SeulGi diz, e por alguns segundos isso me parece mais sussurrado do que provavelmente deveria.
- Por que chama-me assim desde que nos conhecemos?
- Isso te incomoda? - ela questiona, parecendo preocupada. Nego prontamente com a cabeça.
- É que ninguém nunca me chamou assim antes. É adoravel.

Ela olha a franja no espelho, e depois volta seu olhar para o meu, sorrindo e apoiando suas mãos em minhas pernas outra vez.

- É um apelido meu, Lou. Só meu. Apenas meu.

copycat ;; ksgOnde histórias criam vida. Descubra agora