Capítulo Um

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VALENTINE AIMÉE BENATTI

O vento forte e frio sussurrou em meu ouvido e eu sabia que iria me arrepender de não ter pegado um guarda-chuva mais tarde. O que poderia fazer? A mochila só tinha lugar para mais uma coisa: um livro ou um guarda-chuva de bolsa. Jamais sai de casa sem um livro pra me ocupar, preferi não arriscar. Ah, meu nariz pagaria o preço por um resfriado mais tarde.

Tudo o que poderia desejar agora era minha cama, um par de meias quentinhas e tempo livre o bastante para terminar meu livro e um trabalho importante de história medieval que estava me dando os nervos. Tudo bem, era pra ser uma coisa simples. Até porque, não se estuda o curso de História numa graduação sem esperar uma matéria dessas. Mas pra ser sincera, eu não esperava que a Sra. Murder fosse fazer jus ao sobrenome.

Depois de tirar uma nota razoável na prova que eu não esperava nada menor que nove, preferia não arriscar na correção do trabalho. Queria algo impecável, digno do meu estado normal. Por isso tomei a decisão de sair do meu dormitório às 17h, numa sexta-feira -provavelmente chuvosa -, para conversar com o assistente da Sra. Murder. Peter Davinson, um recém-formado em História por Yale, tem ajudado a professora de História Medieval desde o começo do semestre aqui na Prince.

Davinson tem horários mais corridos que a própria Murder, já que muitos alunos preferem conversar com ele a ela. Eu até arriscaria dizer que isso tem a ver com sua simpatia, seu jeito fácil de conversar e como ele fecha os olhos de maneira encantadora quando faz uma piada sobre fatos históricos. Não que eu tenha reparado. Talvez tenha. Quem quero enganar? Arrumei-me mais do que o meu normal e minha boca avermelhada não esconde isso.

Quando roubei o batom vermelho de Kristen, não achei que meus objetivos ficariam tão óbvios quanto. Ela apenas me encarou observando meu olhar de culpa e bochechas combinando com os lábios recheados de cor, e soltou um sorriso debochado sem uma palavra. Eu sabia o que ela estava pensando, sabia que estava rindo da minha hipocrisia e foi assim que acabei desistindo do batom mais resistente que já vi na vida. Esfregar ate sair não foi uma boa opção.

Com minha boca ainda avermelha pelo batom e olhos verdes destacados por cílios longos em rímel, entrei no prédio pronta para jogar conversa fora sobre o século V.

O suéter verde e calças skinny podiam ser um pouco casuais para ocasião, mas não pretendia impressionar. Não tinha nada a perder. Certo? Esperava vencer pelo meu carisma e conhecimentos incríveis sobre a Idade das Trevas, não pelo tamanho dos meus peitos em um vestido que não me deixava sentar.

O que era bom, porque eu não tinha nem os peitos e nem o vestido.

Os corredores estavam mais vazios do que o habitual, mesmo sendo sexta-feira, o prédio sempre estava cheio até às 18h. Levando em consideração os horários apertados do professor assistente da Sra. Murder, também esperava um movimento maior. Parece que ninguém estava muito animado com a chuva que se aproximava e preferiram se esconder em seus dormitórios. Eu deveria ter feito o mesmo, droga. Devia ter feito um planejamento, levantado perguntas sobre o trabalho, sobre os métodos avaliativos ou qualquer coisa que me destoasse do sorriso encantador que Davinson dava ao soltar seus comentários. Eu era uma farsa. Só podia estar ocupado demais, ocupado com tudo e não ia nem perceber o quanto me esforcei pra deixar meu cabelo legal para a ocasião.

Era isso. Ele devia estar ocupado. Se eu chegasse à porta de sua sala e tivesse uma fila de no mínimo cinco pessoas, eu cairia fora. Quatro pessoas. Não. Três. Definitivamente, eu era uma covarde.

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