1 - A verdade exposta

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Atualmente

Mês de julho


O fogo ardia na lareira; um prazer que o embevecia, o qual ele pouco podia desfrutar em solo brasileiro. Todavia, naquele exato, não estava em seu país de origem ou em sua cidade natal.

Buenos Aires, capital da Argentina, era uma cidade que ele pouco costumava visitar, exceto se os negócios clamassem urgentemente por sua presença; o que era o caso naquela noite.

O clima de Buenos Aires era agradável o ano inteiro, exceto em julho, quando a temperatura caía. As geadas não ocorriam, contudo, embora o frio fosse suportável durante o dia, à noite os termômetros abaixavam, e as chamas crepitantes da lareira eram bem-vindas.

Sua taça de vinho jazia intocada em cima da mesa. O perfume da bebida impregnava-se no ar, um aroma aveludado intenso, que atiçava seu paladar. Acomodado em um sofá de couro, ele bufou tediosamente mais uma vez, buscando no bolso do paletó pelo seu maço de cigarros.

— Quer que eu peça para o serviço de quarto trazer bife de chorizo para nós? — indagou, observando as costas do homem mais jovem que encarava as labaredas dançantes do fogo. — Estou com fome.

— Sabe que sou vegetariano.

Júlio pigarreou, acendendo o cigarro com seu isqueiro e o tragando com uma calma mordaz. Seu olhar espreitava as costas de Eduardo, os ombros rígidos embaixo da jaqueta, a fúria humilhante que açoitava a pele dele como um chicote furioso.

Deixou o corpo relaxar no sofá, comprazendo-se em segredo. Ver o contorno de uma derrota estampado no rosto de Eduardo era algo raro. É claro que ele desfrutaria daquele momento.

Maldito. Um mero investigador, manipulado para fazer parte da Leibig, manipulado para coletar material de pesquisa para os testes. Júlio deveria ter se atentado mais. Residia em Eduardo uma inquietação, uma agitação dos mais tempestuosos vendavais, uma sede bravia que nunca era saciada. E ele cresceu dentro da Corporação, ousou pisar em territórios que ninguém cogitara desbravar, avançou entre um oscilar de resistência e um flerte com o poder do conhecimento.

E em certo momento, como as teclas de um piano que subitamente mudam o tom da melodia, algo se metamorfoseou em Eduardo. Primeiro, aquele medalhão que ele não tirava do pescoço. Depois, uma ânsia por ascensão. O assassinato de Tiago Ellk. Estranhas marcas negras em seu braço. O caos aquietado em sombras nebulosas que sempre permeavam o verde de seu olhar, a marca de sua transformação em Nemo. Por fim, um súbito interesse reaceso no extinto Crisântemo Kell.

Havia um hiato ali que Júlio não enxergava, o escuro do não-saber, um vale onde se escondiam suas verdadeiras ambições. E ele odiava aqueles jogos nevoentos.

Sonara (Livro 3 - Saga Ellk) | DEGUSTAÇÃOOnde histórias criam vida. Descubra agora