6 - O bater dos sinos (Parte II)

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Ramon chutou o saco de lixo aberto com restos de comidas e moscas varejeiras, tentando mitigar de alguma formar aquele fedor que pairava pelo beco. Ânsia de vômito escalou por sua garganta, mas seu autocontrole adquirido nos anos de residência médica evitou que ele regurgitasse. Seu instinto suplicava para que ele fosse para um local mais aberto e arejado, contudo, ali era o ponto combinado e qualquer desencontro poderia pôr a vida de seus pacientes remanescentes em risco.

Ele tremia embaixo da jaqueta grossa. O inverno era a estação que mais detestava. Um inverno permeado por guerra, contaminações, pânico e morte lhe traduzia os mais abomináveis sentimentos, e ele tentava se manter firme e resoluto, recheando a mente com as imagens mais adoráveis que conseguia evocar — o litoral com um sol estonteante e a beleza de Gabriela rasgando qualquer horizonte azul.

Respirou fundo, o odor fétido ardendo sua garganta; podia não estar avançando na cura para o vahliru, mas pelo menos estava fazendo o que podia para salvar seus antigos pacientes. Com as barreiras sanitárias erguidas no país junto do clima de medo e guerra, saques foram feitos, suprimentos começaram a faltar muito rápido... Inclusive remédios. E Ramon tinha diversos pacientes diabéticos que precisavam de insulina, a qual já qual não podia ser mais encontrada em lugar algum. Os poucos que detinham os estoques de insulina a estavam vendendo a um preço exorbitante, e Ramon tinha contato com um deles — seu antigo mentor, doutor Fagundes.

Hipócritas que usavam a desgraça para se sobreporem aos mais fracos e enriquecerem.

E haviam dito que o mundo era bom, que mesmo a iminência de uma guerra como aquela que estava para assolar o país faria despertar o melhor das pessoas. Solidariedade. Caridade.

Ramon deixou um riso chasco e desgostoso escapar de si; queria cuspir aquelas palavras de volta na cara dos chefes políticos que haviam dito aquilo em rede nacional quando as barreiras sanitárias foram erguidas e o Brasil ficara isolado do resto do mundo.

Solidariedade o caralho.

Ele comprimiu o cabo da arma nas mãos quando viu um carro prata se aproximando da entrada do beco — ele, com uma arma de fogo! Ele, que nunca sequer havia dado um único tiro na vida, sempre vivendo de forma selvagem, pura e aventureira, agora era obrigado a andar com uma arma para se proteger. Uma arma para matar.

Estreitou a vista, cauteloso.

Sim, aquele era o carro do doutor Fagundes. Ele caminhou até o veículo; o vidro fumê se abaixando conforme se aproximava.

— Vamos ser rápidos, meu caro — Fagundes resmungou, usando uma máscara sobre o nariz e a boca. — Não quero ficar muito tempo em contato com o ar.

Máscara. Patético. Todos sabiam que o vahliru era transmitido por contato físico, pela saliva ou pelo sangue. Ou por granadas que, quando explodiam, grudavam partículas na pele. Não pelo ar. Se assim o fosse, todos eles já estariam mortos.

Sonara (Livro 3 - Saga Ellk) | DEGUSTAÇÃOOnde histórias criam vida. Descubra agora