Era estranho estar ali, caminhando por entre memórias que ecoavam por sua mente, trazendo imagens vívidas que dançavam em tons de sépia pelos corredores e cômodos. Cada marca, cada traço, cada cheiro; tudo pulsava com uma intensidade sufocante e delicada. Era um vazio nostálgico, e ao mesmo tempo, uma sensação de pertencimento que jamais poderia ser substituída.
Daniel atravessou o corredor, entrando no quarto que ele e Eduardo dividiram durante a infância e a adolescência, desde que ele e Gabriela foram adotados pela família Almeida.
Tudo ali ainda era o mesmo, embora o mundo já houvesse mudado.
Ele avançou um pouco mais, navegando o olhar por cada detalhe. Não acendeu a lâmpada; a luz da lua crescente escorregava pela janela, iluminando o quarto o suficiente para que ele pudesse experimentar cada momento, cada pedaço de tudo aquilo que o formara.
Tocou as paredes, os riscos feitos com caneta no tampo da escrivaninha, o taco solto onde ele e Eduardo escondiam tudo aquilo que não queriam que Gabriela visse, provocando a ira da irmã mais velha que nunca conseguia descobrir seus segredos. Agachou-se, puxando o taco para cima; nada ali havia além do vazio, da poeira e da reminiscência.
Daniel olhou para as duas camas de solteiro; quantas noites em claro ele e Eduardo não haviam passado conversando, divagando, planejando viagens e desbravamentos que nunca aconteceriam?
O ar chiou ao sair dos seus pulmões. Ele girou nos calcanhares, lançando um último olhar ao quarto. Onde tudo mudara? Qual fora o ponto de convergência, o momento da metamorfose, o instante da ruptura?
Como chegamos a este ponto? O que aconteceu?
Ele deixou o quarto, seguindo para o escritório que ficava no fundo da casa. Tudo estava absurdamente silencioso. Ele não sabia como seria agora, após ter contado toda a verdade para os seus pais, agora que eles sabiam a verdade sobre Eduardo e seu forjado desaparecimento. Sobre sua sombra que pairava na desgraça que cobria o país e todos eles. Havia sido um choque intenso, mas eles tinham o direito de saber, tinham o direito de encontrar o caminho de volta da sombra onde a vida e a morte germinavam as incertezas.
Empurrou a porta, entrando no escritório. Assim como no quarto, a luz prateada da lua invadia todo o recinto através do vidro da janela. Caixas e mais caixas se empilhavam pela mesa. Tudo o que um dia pertencera a Eduardo estava ali, esquecido entre a penumbra e o papelão.
Durante quase uma hora, vasculhou as caixas, buscando por tudo aquilo que pudesse lhe dar uma pista para compreender melhor os caminhos trilhados pelo irmão, para dar uma voz de razão para tudo o que havia visto, para o qual palavras ainda não existiam. Nada encontrou além de pedaços de memórias que eram espectros de quem um dia Eduardo já fora.
Puxando uma cadeira, Daniel se sentou e apanhou mais uma caixa. Notou que o conteúdo desta era diferente. Os papéis e objetos ali não pertenciam a Eduardo, e sim a sua mãe adotiva. Pareciam esquecidos no tempo, como se não tivessem permissão para existir naquele agora.
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Sonara (Livro 3 - Saga Ellk) | DEGUSTAÇÃO
Gizem / Gerilim-LIVRO EM DEGUSTAÇÃO- DISPONÍVEL NA AMAZON EM VERSÃO REVISADA! 2° Lugar no Concurso Sakura Melhor sinopse no Concurso Palavras Divinas "Quando homens e monstros se tornam um, resta ao mundo o relâmpago de uma resistência". Em meio à guerra que assol...