Capítulo 10

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Entrando na cozinha em silêncio, Janete encostou-se ao portal e ficou observando a idosa trabalhar. Tinha medo que suas perguntas, suas dúvidas a respeito de seus pais pudessem trazer algum desagrado para Isaura, a quem considerava como mãe. Não, bobagem, pensou. Ela conhecia seus pais e pura e amiga como era, tal sentimento jamais ousaria fazer parte de seu comportamento.

— Isaura, você lembra quando fui te procurar logo após o acidente de meus pais?

A idosa voltou-se para Janete. Quando a via, seu rosto sempre se iluminava.

— Lembro sim, minha filha, como poderia esquecer aquele dia? Você parecia um bichinho assustado, magra e desamparada. Sozinha no mundo, mas graças a Deus seu anjo da guarda jamais a abandonou. Tanto que aqui está você sã e salva.

Janete abraçou a idosa bem apertado e assim ficou por um tempo. Apesar da companhia de Isaura, sentia-se só, era como se um buraco estivesse aberto em sua vida e não sabia como sair dele. Ao se dar conta de que não se lembrava de fatos importantes ao lado de seus pais, sentia culpa e tristeza, diversos pensamentos a perturbavam ininterruptamente. Agora, mais do que nunca pensava neles e em seu passado. Era incapaz de ter certas lembranças e algum motivo havia para que isso tivesse acontecido.

Afastou-se de Isaura segurando suas mãos. O ar estava pesado, o céu escuro e a qualquer momento iria chover. As cortinas da pequena janela estavam agitadas e eram empurradas pelo vento. Podia-se sentir a umidade e algumas gotículas invadindo o local onde as mulheres faziam suas refeições. Apesar disso, não se mexeram para fechá-la.

— Você conheceu meus pais, não é Isaura? Fale-me deles.

A idosa tomou um gole do suco de caju que havia preparado para o jantar.

— É melhor a gente jantar de uma vez, pois essa prosa vai ser longa.

As mulheres lentamente degustaram a torta de frango fumegante que a idosa tinha acabado de tirar do forno, o recheio cremoso escorria e perfumava o ambiente. Ao final da refeição, Isaura iniciou seu relato. Lembrava-se que os pais de Janete chegaram a Seropédica com discrição. Era um jovem casal com um bebê de colo. A idosa lembrou que no dia da mudança fora até a casa deles dar as boas-vindas, apresentar-se e perguntar se estavam precisando de alguma coisa. Pareciam assustados, mas aliviados ao mesmo tempo, felizes na verdade com a pequena casa. Vieram morar no interior em busca de uma melhor qualidade de vida, longe do barulho, da agitação e da poluição da cidade.

Via-se de cara que eram pessoas distintas, educadas, que provavelmente tinham uma razoável situação financeira, mas extremamente simples, não havia ostentação em nada. Tanto que compraram essa casa simples para morar. A idosa teve a impressão de que estavam abandonando o passado. Iniciando uma vida nova.

Janete levantou a sobrancelha esquerda. — O que foi, filha? — Isaura identificou o olhar questionador da moça.

— É que, sei lá. Me veio um pensamento agora. E se eles estivessem fugindo de algo ou de alguém?

Ao dizer isso, sentiu um calafrio, talvez devido ao frio que invadia o ambiente, talvez devido à conversa que a deixava ansiosa. Puxou então o fino casaco em direção a sua barriga que já saltava aos olhos.

Foi a vez de Isaura olhar desconfiada para Janete. — Como assim, Janete? Porque esse pensamento?

Janete abriu os braços fazendo gestos largos.

— Ora Isaura, pense bem. Um casal jovem com um bebê vem da cidade grande para o interior. Algo aconteceu, sem dúvida. Porque largariam uma vida boa como você disse para viver longe de tudo e de todos? Tem algo aí.

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⏰ Última atualização: Aug 01, 2018 ⏰

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