Entrando na cozinha em silêncio, Janete encostou-se ao portal e ficou observando a idosa trabalhar. Tinha medo que suas perguntas, suas dúvidas a respeito de seus pais pudessem trazer algum desagrado para Isaura, a quem considerava como mãe. Não, bobagem, pensou. Ela conhecia seus pais e pura e amiga como era, tal sentimento jamais ousaria fazer parte de seu comportamento.
— Isaura, você lembra quando fui te procurar logo após o acidente de meus pais?
A idosa voltou-se para Janete. Quando a via, seu rosto sempre se iluminava.
— Lembro sim, minha filha, como poderia esquecer aquele dia? Você parecia um bichinho assustado, magra e desamparada. Sozinha no mundo, mas graças a Deus seu anjo da guarda jamais a abandonou. Tanto que aqui está você sã e salva.
Janete abraçou a idosa bem apertado e assim ficou por um tempo. Apesar da companhia de Isaura, sentia-se só, era como se um buraco estivesse aberto em sua vida e não sabia como sair dele. Ao se dar conta de que não se lembrava de fatos importantes ao lado de seus pais, sentia culpa e tristeza, diversos pensamentos a perturbavam ininterruptamente. Agora, mais do que nunca pensava neles e em seu passado. Era incapaz de ter certas lembranças e algum motivo havia para que isso tivesse acontecido.
Afastou-se de Isaura segurando suas mãos. O ar estava pesado, o céu escuro e a qualquer momento iria chover. As cortinas da pequena janela estavam agitadas e eram empurradas pelo vento. Podia-se sentir a umidade e algumas gotículas invadindo o local onde as mulheres faziam suas refeições. Apesar disso, não se mexeram para fechá-la.
— Você conheceu meus pais, não é Isaura? Fale-me deles.
A idosa tomou um gole do suco de caju que havia preparado para o jantar.
— É melhor a gente jantar de uma vez, pois essa prosa vai ser longa.
As mulheres lentamente degustaram a torta de frango fumegante que a idosa tinha acabado de tirar do forno, o recheio cremoso escorria e perfumava o ambiente. Ao final da refeição, Isaura iniciou seu relato. Lembrava-se que os pais de Janete chegaram a Seropédica com discrição. Era um jovem casal com um bebê de colo. A idosa lembrou que no dia da mudança fora até a casa deles dar as boas-vindas, apresentar-se e perguntar se estavam precisando de alguma coisa. Pareciam assustados, mas aliviados ao mesmo tempo, felizes na verdade com a pequena casa. Vieram morar no interior em busca de uma melhor qualidade de vida, longe do barulho, da agitação e da poluição da cidade.
Via-se de cara que eram pessoas distintas, educadas, que provavelmente tinham uma razoável situação financeira, mas extremamente simples, não havia ostentação em nada. Tanto que compraram essa casa simples para morar. A idosa teve a impressão de que estavam abandonando o passado. Iniciando uma vida nova.
Janete levantou a sobrancelha esquerda. — O que foi, filha? — Isaura identificou o olhar questionador da moça.
— É que, sei lá. Me veio um pensamento agora. E se eles estivessem fugindo de algo ou de alguém?
Ao dizer isso, sentiu um calafrio, talvez devido ao frio que invadia o ambiente, talvez devido à conversa que a deixava ansiosa. Puxou então o fino casaco em direção a sua barriga que já saltava aos olhos.
Foi a vez de Isaura olhar desconfiada para Janete. — Como assim, Janete? Porque esse pensamento?
Janete abriu os braços fazendo gestos largos.
— Ora Isaura, pense bem. Um casal jovem com um bebê vem da cidade grande para o interior. Algo aconteceu, sem dúvida. Porque largariam uma vida boa como você disse para viver longe de tudo e de todos? Tem algo aí.
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ABDUÇÃO
Science FictionAo despertar no leito de um hospital, após semanas desaparecida, Janete não poderia imaginar que sua vida mudaria para sempre. Seus dias de estudante universitária no interior do Rio de Janeiro estavam contados. Agora ela era a futura mãe de um ser...