Capítulo 6

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— Muito obrigada pela carona, Daniel. Adoro caminhar, mas hoje, precisamente hoje, não estou no clima. Aquela sessão no consultório da Patrícia exauriu minhas forças. Só quero comer algo, tomar um banho bem quente e descansar pelo resto do dia. Bendita hora em que nos encontramos.

Daniel estacionou o carro diante do portão de Janete.

— Estou aqui para ajudar. Foi uma feliz coincidência nos encontrarmos agora. Normalmente fico o dia inteiro no hospital, mas preciso buscar uma encomenda e tenho que chegar à agência distribuidora dos correios antes das quatro. Você sabe que seu caso me preocupa, mas está melhorando aos poucos e em breve retomará sua rotina. A questão principal agora é voltar todas as atenções para essa nova vida que carrega. Por falar nisso, pode passar no consultório terça-feira na parte da manhã? Temos que dar início ao seu pré-natal. Tudo bem para você?

Janete deu um sorriso triste. Não, não estava tudo bem. Ainda mais após lembrar em parte o que lhe aconteceu. Uma gravidez naquelas circunstâncias era algo questionável. Ela já não sabia se valeria à pena continuar com algo assim. O que estaria dentro de seu corpo, que ser era aquele? Tinha medo de saber, de tomar conhecimento das criaturas que tinham feito aquilo com ela e o que poderia resultar da atitude deles.

— Daniel, preciso pensar. Sinceramente, agora já não sei mais se quero ter essa criança. Estou com medo e confusa.

O médico ajeitou o corpo no banco do motorista tentando disfarçar seu desagrado. Estufou o peito e voltou o rosto sério para Janete. Seu olhar era intenso e seus gestos milimetrados.

— Engraçado você mudar assim de repente, Janete. Aconteceu alguma coisa, não foi? É certo que uma gravidez, ainda mais nas circunstâncias que envolvem seu caso é algo extremamente delicado para sua vida e seu emocional. Mas sou cem por cento a favor da vida. No que precisar de mim, estou aqui para lhe auxiliar e acompanhar.

Ela ficou comovida com as palavras do médico.

— Daniel, compreendo sua preocupação e seus cuidados comigo. Mas as coisas não são assim tão fáceis, principalmente para uma mulher, solteira como eu e que foi violentada em todos os sentidos. Eu estava desmemoriada, fui estuprada e apareci grávida. Não quero ser indelicada, mas a decisão no que tange a manter ou descartar essa gestação é minha e tem que ser muito bem pensada e logo. Sei que você está aqui para me apoiar e orientar. Mas lhe peço, por favor, não me pressione.

O rapaz respirou fundo e esfregou o rosto demoradamente. Por uma fração de segundo, Janete percebeu a fisionomia dele mudar por completo. Ela arregalou os olhos para observá-lo melhor, mas foi apenas uma impressão. Notando que ela estava perturbada, pegou sua mão, sua voz agora soava mais doce que de costume.

— Janete, gosto muito de você. É uma pessoa especial pela qual me afeiçoei e me preocupo. Uma cirurgia é um procedimento traumático, um aborto então, você não faz ideia. Sou médico, sei o que estou dizendo. Não gostaria que passasse por isso. Que tal fazer assim, converse com frei Castilho e escute o que ele tem a dizer como sacerdote e como amigo. Se mesmo assim você mantiver a decisão de descontinuar a gravidez, ajudarei no que for necessário em todos os procedimentos legais e médicos. E então? O que me diz?

Continuou olhando para Daniel, queria muito dividir com alguém o que vira. Era demais guardar tanta informação, era uma carga pesada demais para ela. Mas seria tachada de louca, sem dúvida. Louca era pouco. Ainda mais depois do trauma sofrido, não suportaria ser vista como desequilibrada. Era melhor manter tudo em segredo mesmo e Daniel poderia ser poupado de todo seu drama.

— Acho uma boa ideia conversar com frei Castilho, mas me dar esse conselho, essa opinião, não muda o que eu penso. Estou pendendo a interromper essa gestação. Preciso de seu apoio, independentemente de minha escolha.

ABDUÇÃOOnde histórias criam vida. Descubra agora