I

110 13 1
                                    


Acordei com o barulho da porta batendo.

Não que eu estivesse exatamente dormindo. Meu sono sempre foi incrivelmente leve, o que só piorava quando estava preocupado. Não fiquei surpreso rolei pela cama e olhei no relógio da cabeceira, vendo que já havia passado das três da manhã. Virei para o outro lado e surpresa: estava sozinho.

Sabia que aquela era mais uma noite em que Edgar chegava em casa no meio da madrugada, completamente bêbado. Suspirei, não exatamente chateado, muito menos cansado. Nas últimas semanas aquilo havia se tornado algo comum, e eu sabia exatamente o motivo. Sem nenhuma pressa eu me levantei, pus os óculos no rosto, calcei os chinelos e me cobri com um roupão, pois fazia frio àquela noite.

Abri a porta do quarto e saí para o corredor. A luz branca dos postes do jardim entrava pela janela de vidro, iluminando fracamente parte do corredor. Com passadas lentas, fui até o pé da escada, mas parei quando ouvi vozes vindas lá de baixo. Dei alguns passos pela escada e vi que Duarte, o segurança do condomínio, carregava Edgar pelos ombros. Ele estava de cabeça baixa, o cabelo castanho caindo no rosto.

- Senhor, acho que devo chamar o doutor Ícaro...

- Não - a voz de Edgar estava carregada de álcool. - Só me leva lá para trás.

- Mas...

- Mas nada - Edgar respondeu, um pouco alto e ríspido demais. - Eu preciso ir para a piscina, só me leve até lá. E em silêncio - ele disse, quase aos gritos, enquanto tropeçava no tapete, - não quero que o Ícaro acorde.

Sinalizei com a mão para que Duarte me visse parado na escada. Ele levantou a cabeça e arqueou a sobrancelha, e eu fiz um movimento indicando que ele podia levar Edgar para a piscina. Duarte confirmou com a cabeça e ajudou Edgar a caminhar. Como era de se esperar, ele estava totalmente bêbado, mal se aguentava em pé, e se apoiando sem cerimônia em Duarte.

Voltei para o quarto e peguei um roupão de banho no armário e os chinelos de Edgar. Desci as escadas a tempo de ver Duarte cruzando a sala em direção à porta. Assim que ele me viu, parou no lugar. Parecia tenso e totalmente sem jeito, o paletó escuro combinando com o preto dos seus olhos. Sua cabeça careca brilhava com a pouca luz que vinha de fora.

- Doutor Ícaro - ele disse assim que me viu. Mesmo sendo vinte anos mais velho que eu, mas sempre havia me chamando de doutor. - Eu não sabia o que fazer, queria chamar o senhor, mas ele havia insistido.

- Tudo bem Duarte, fique tranquilo - sorri da melhor maneira que pude enquanto colocava uma nota de cinquenta reais no bolso de seu paletó. - Eu vou atrás dele, pode voltar para a guarita. Muito obrigado, viu? E por favor, não comente isso com ninguém.

- Tudo bem, doutor, muito obrigado! - Ele sorriu e me cumprimentou. - Boa noite!

Desejei boa noite e tranquei a porta quando ele passou. Tremi quando senti o vento gelado do lado de fora se enrolando em minhas pernas. Fiquei um tempo ali parado, pensando no que fazer. Sabia que não podia deixar Edgar sozinho naquele momento. Suspirei e fui até a cozinha. Coloquei um pouco de achocolatado no leite e esquentei no micro-ondas, sabendo que ele gostava daquilo.

A cozinha e a sala eram um ambiente só, separados por uma bancada de mármore escuro, e as paredes externas da sala eram em sua maioria feitas de vidro, então eu conseguia olhar para o jardim. As lâmpadas estavam ligadas, mas uma fina camada de sereno estava deixando tudo embaçado. No fundo da cozinha havia um corredor feito com vitrais translúcidos, que terminavam em duas portas, uma de frente para a outra. A da direita dava para o lado de fora, e a da esquerda para a piscina coberta. Abri a segunda porta da esquerda devagar, segurando a caneca de chocolate quente em uma mão e o roupão na outra.

AzulOnde histórias criam vida. Descubra agora