IX

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O dia, obvio, havia tido o pior clima possível. Edgar parecia ter entrado em um estado de choque - demorou mais de cinco minutos para que ele recobrasse a consciência. O médico achou melhor deixa-lo tomando soro na veia, e durante todo o processo ele apenas ficava repetindo "a culpa é minha, a culpa é minha, ele se foi e eu não pude realizar seu desejo, não consegui perdoá-lo a tempo a culpa é minha..."

Por fim, o médico o liberou e receitou um clamante para ele tomar assim que chegasse em casa. Pedi para Magda leva-lo (ela estava tão mal quanto ele, mas tentava se manter forte) e eles foram embora. Fui ao banheiro do hospital, entrei em um dos boxes e me sentei no vaso sanitário com a tampa fecha. Respirei uma, duas, três vezes.

Tudo havia desmoronado.

As lágrimas começaram a descer silenciosamente, gota por gota, que logo se transformaram eu um filete que descia pela minha bochecha. Ela então veio acompanhado de soluços, que eu tentei reprimir. Não podia fazer barulho. Fiquei preso no box do banheiro por meia hora, me perguntando o que faria em seguida, como as coisas seriam, me entreguei totalmente ao desespero.

E então... passou. Respirei fundo, levantei a cabeça, abri a porta do box, lavei o rosto na pia e saí para o corredor do hospital.

- Ícaro - o doutor Eduardo, que estava cuidando do caso de Gilberto, havia aparecido. - Pensei que havia ido embora.

- Não, claro que não - eu respondi. Eu... precisava de um tempo sozinho.

Vendo meus olhos vermelhos, o doutor apenas balançou a cabeça.

- Entendo - ele disse. - Bem, venha para a minha sala, temos uns assuntos a tratar.

Acompanhei-o pelos corredores até entrarmos em um consultório que estava vazio. Nunca entendi por que tudo em um hospital precisava ser tão branco, da forma que machucava a vista. O doutor se sentou atrás de sua cadeira e eu me sentei de frente para ele. O doutor retirou os óculos e respirou fundo, parecendo cansado.

Silêncio. A janela de sua sala dava para a entrada principal do hospital, com um jardim e uma fonte. Algumas pessoas tomavam sol em cadeiras de rodas, sempre segurando um tubo de soro e vestidos com aquela espécie de vestido branco que todo paciente usa.

- Então, Ícaro... - começou o doutor Eduardo. - O senhor Gilberto Sartoria faleceu oficialmente às onze horas e vinte e três minutos, de falência múltipla dos órgãos. Estava velho demais e seu corpo simplesmente... você sabe.

Confirmei com a cabeça em silêncio. Não sabia o que dizer.

- Eu pensei em falar com a dona Magdalena sobre... os procedimentos para o enterro e essas coisas, mas ela estava completamente abalada, e você... você está bem para lidar com essas coisas?

Confirmei com a cabeça novamente. Precisava ser forte pela Magda e pelo Edgar também.

- Tudo bem - doutor Eduardo pigarreou e mexeu em alguns papéis. - Aqui estão alguns documentos que precisam ser assinados sobre a estadia dele aqui no hospital. - Assinei os papéis e entreguei-os de volta para o doutor. - Você sabe se ele era a favor de doar o corpo para pesquisar científicas ou pelo menos doar os órgãos?

- Aquele velho torrão? - Sorri, balançando a cabeça. - Não, de jeito nenhum. A família Sartoria tem um jazigo no cemitério da consolação. Tenho certeza de que ele gostaria de ser enterrado ao lado da mulher e do filho.

- Entendo - ele disse. - Então, nesse caso, aqui estão algumas casas funerárias que podem ajudar, são as melhores do estado - ele me entregou meia dúzia de folhetos que eu guardei no bolso. - Eu realmente sinto muito, Ícaro, nunca é fácil perder um familiar...

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