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Outubro de 1997

- Ícaro, aqui está incrível! - Thiago respondeu. - Já está esfriando, e nossa, nunca senti tanto frio na minha vida.

Sorri, mas era um sorriso gelado. Enrolei o dedo no fio do telefone.

- Que ótimo, meu amor - respondi. - Ainda bem que está se adaptando.

- Pensei que não ia conseguir me acostumar com Portugal - ele disse, e eu pude sentir o sorriso m sua voz. - Mas até agora está tudo tranquilo. Hoje fui na casa do Otávio de novo, passamos a tarde conversando sobre literatura brasileira.

Meu coração ficou apertado e senti um frio na espinha. Respirei fundo.

- Ah, sério? Você anda passando tempo demais com esse Otávio, né...

- Claro Ícaro, ele é meu professor - Thiago riu. - Ele e o marido dele são incríveis, estou doido para apresenta-los para você.

- É, eu posso imaginar...

Silêncio.

- Ícaro? Você está com ciúmes?

Não respondi. Desde que Thiago havia ido para Portugal fazer faculdade de história há uns meses atrás, e nas últimas semanas só falava desse tal professor Otávio.

- Você sabe que não precisa disso - ele continuou, tomando o meu silêncio como um "sim". - Ícaro, o que você acha que está acontecendo?

- Me diz você - respondi, tentando disfarçar a acidez na minha voz. - Eu não estou aí para saber.

- Ele é casado, meu Deus - Thiago parecia realmente surpreso. - Eu nunca me envolveria com ele.

- Então quer dizer que você não se envolveria com ele só por ele ser casado? - eu perguntei.

Thiago respirou profundamente, e eu pude imaginá-lo com a cabeça encostada na parede, o telefone no ouvido.

- Não começa com isso, Ícaro...

- Mas eu disse algo errado? Qual é, Thiago, o fato do homem ser hétero ou casado nunca impediu você de nada.

- Mas eu estou com você! - Thiago estava indignado. - Você não confia em mim?

- Não é questão de confiar, é questão de que não controlamos esse tipo de coisa...

Thiago bufou, irritado.

- Quer saber? Chega - Thiago havia perdido a paciência. - Eu preciso desligar agora.

- Não, Thiago...

- Outra hora nos falamos - ele respondeu secamente. - Tchau, fica bem.

- Tudo bem, amo você - respondi, mas ele não ouviu. A ligação havia terminado.

Março de 2016

- Está tudo bem, senhor Markan? - perguntou Duarte.

Olhei para Duarte. Estava sentado no meio fio da calçada, na frente do condomínio. Minha cabeça ainda girava, e eu bebia água numa garrafa de plástico.

- Está sim - respondi. - Só estou... esperando uma pessoa.

Minha mente gritou NÃO pela décima vez. Ainda não sabia se isso era uma boa ideia. O dia havia sido tão longo, e termina-lo saindo com Thiago não deveria ser certo. Mas... o que eu tinha a perder?

Ouvi o ronco do motor do Troller antes mesmo dele cruzar a esquina e se aproximar. Esse era um modelo diferente, mais atualizado e obviamente mais caro, pintado de amarelo. Os faróis pareciam me encarar enquanto o carro parava na porta do condomínio e Thiago saía. Ele vestia calças cargo, uma camiseta folgada dos Strokes e um boné escuro para manter os cabelos sob controle.

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