V

48 8 3
                                    







Dezesseis de junho de 1997

As coisas aqui em casa estão difíceis de novo. Diego não apareceu para o primeiro dia de estágio no escritório de Gilberto, que ficou uma fera. Eles brigaram feio, e Diego jogou na cara dele que não seria moldado pelo pai, que preferia morrer a deixar isso acontecer. Não consigo fazer Gilberto entender que ele não pode forçar Diego a ter a vida que ele não quer ter, e isso está começando a me angustiar.

Gilberto também não quer saber de Edgar. Ele ainda não aceita a sexualidade do filho de forma alguma, mas não parece ter problema algum com a sexualidade de Ícaro. Acho que ele não vê problema na homossexualidade contanto que não seja com o filho dele - isso é motivo de vergonha. Também já desisti de fazê-lo mudar de ideia.

Poupo a pouco tenho visto a minha família se despedaçar, e acho que não há nada que eu possa fazer. Sinto que essa casa carrega uma energia pesada que pode explodir como um barril de pólvora há qualquer momento. Não sei o que será dos meus meninos e do meu marido, mas preciso fazer com que isso pare. Não vou suportar ver minha família destruída.

Terminei de ler e levantei a cabeça para Bruna, que me olhava com olhos taciturnos. Pegou a taca de vinho na mesa de centro e tomou um longo gole.

- Isso foi dois meses antes dela...

- Uns seis meses antes dela se suicidar, sim.

- Caramba - Bruna se aprumou no tapete e abraçou os joelhos. - Olha só, eu estou toda arrepiada. Ela basicamente viu o que estava para acontecer.

- Eu conversei com Madga sobre isso - apoiei o cotovelo no sofá, colocando o diário de Helena na mesa de centro e encarando Bruna. - Ela disse que conforme os dias foram passando, dona Helena foi ficando cada vez pior. E no dia do acidente de Diego ela teve febre o dia inteiro, chegou a delirar dizendo que sentia que algo acontecer. Quando ela soube, simplesmente... não aguentou.

- Isso tudo é pesado demais - Bruna parecia impressionada. - Não é à toa que Edgar odeia tanto o pai. É basicamente tudo culpa de Gilberto. Olhando tudo sob a perspectiva dele, quem poderia julgá-lo pela atitude que teve com o velho?

Respirei fundo, sentindo um aperto no coração. Ler os diários de Helena Sartoria foi como abrir um terceiro olho - tive uma visão totalmente nova sobre tudo aquilo. Tomei mais um gole de vinho enquanto fechava os olhos e ouvia o barulho da chuva do lado de fora. O verão finalmente estava indo embora, e a chuva já havia se instalado em seu lugar. Peguei o celular pela milésima vez e chequei para ver se havia alguma mensagem, mas Bruna me repreendeu.

- Não fica olhando o telefone, Ícaro. Ele não vai ligar.

Ela me olhava de soslaio, então bufei e bloqueei o celular, colocando-o na mesa de centro.

- Era só coisa do trabalho.

- Não precisa mentir pra mim - o tom de Bruna não era reprovador. - Mas você sabe como é Edgar. Ele não vai te ligar.

Não falei nada, só tornei a tomar um novo gole na taça de vinho. As luzes da sala estavam baixas e a TV estava congelada em uma cena de algum filme de ação ruim que eu não estava conseguindo prestar atenção, antes de começar a conversar com Bruna sobre tudo o que havia acontecido nas últimas semanas.

- Tem certeza que você não quer viajar? - Bruna sugeriu novamente. - Roma é linda essa época do ano.

- E deixar Magda e Gilberto aqui? - balancei a cabeça. - Não, eu não consigo. Está tudo um caos no momento. E eu acho... acho que Gilberto realmente não tem muito tempo de vida.

AzulOnde histórias criam vida. Descubra agora