Rio de Janeiro, 29 de janeiro de 1997
- Ícaro, você sabe que eu não posso te vender bebidas! - Seu Carlos apoiou o cotovelo na bancada, parecendo cansado. - Já está tarde, vá para casa. - Ele colocou o pano úmido sobre o ombro. - Ou então peça para algum amigo seu, que seja maior de idade, comprar a bebida para você. Aí não será mais problema meu. Onde está o Thiago?
Não respondi, sorrindo. Fazia um calor maldito, mesmo sendo o meio da noite. Era uma segunda-feira, mas o bar estava cheio de gente, a maioria adolescentes de férias da escola buscando se refrescar, o que ironicamente estava deixando o ar mais abafado e quente. Os ventiladores só ajudavam a fazer o ar quente circular, e eu me sentia num maldito forno, assando aos poucos.
O bar do seu Carlos já havia sido interditado mais de três vezes, denunciado por pais de menores de idade que alegavam que ele vendia bebida alcoólica para menores de dezoito anos, o que por lei é proibido. Desde então, ele era irredutível: não vendia bebida para menores... mas não impedia que adolescentes com dezoito anos comprassem cerveja e dessem para seus amigos de dezesseis e dezessete anos.
- Por favor, você pode me informar as horas? - eu disse, alto demais por causa do barulho dos ventiladores e da música, misturados com o falatório das pessoas ali.
Seu Carlos levantou o braço e olhou o pequeno relógio digital, preto. Era uma telinha pequena, que acendia uma pequena luz azul quando se apertava um botão, e era uma grande novidade entre todo mundo. Inclusive eu. Mas não estava usando meu relógio no momento, queria sentir o gostinho do meu plano dando certo.
- Hum... - Carlos olhou para o relógio, sua careca brilhando quando ele baixou a cabeça. - Um minuto para meia-noite.
Joguei meu corpo sobre a bancada da mesa, sentindo na pele do antebraço o grude de cerveja velha que cobria a bancada, sujando meu braço e minha camisa florida favorita. Peguei o pulso de seu Carlos, que se assustou, arregalando os olhos.
- Mas o que...
- Cinco - fiz a contagem regressiva. - Quatro... três... dois... um...
O relógio apitou duas vezes quando deu meia-noite do dia trinta. Nessa hora, a porta do bar se abriu e Thiago entrou como um furacão, usando um chapéu de festa em formato de cone dos Bananas de Pijamas, soprando uma língua de sogra. Todo mundo parou para olhar para ele, surpreso.
Sorri mais uma vez. Ele se aproximou de mim e jogou o braço sobre o meu ombro, sorrindo. Ele me olhou e eu o olhei de volta, segurando a gargalhada.
- Que presepada é essa aqui? - seu Carlos puxou o braço, ultrajado. - O que vocês dois estão aprontando agora?
Abri o zíper da minha pochete e puxei minha carteira de identidade.
- Trinta de janeiro de 1979 - eu disse, colocando a identidade sobre a mesa, para que seu Carlos pudesse ver. - Feliz aniversário de dezoito anos para mim.
Todos estavam prestando atenção em mim e em Thiago, e bateram palmas e bateram nas mesas quando eu disse a data. Seu Carlos abriu um sorriso.
- Seu sacana... feliz aniversário - ele disse, enchendo uma caneca de chope e passando para mim. - Toma, é por conta da casa.
Peguei a caneca. Era grande e gelada.
- Mas e eu? - chamou Thiago, parecendo ultrajado. - Não ganho nada?
- Quer um soco na cara? - perguntou seu Carlos, não exatamente bravo, enquanto enchia outra caneca de chope. - Toma aqui, mas só se você calar a boca.
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Azul
RomanceÍcaro Markan tem tudo. Aos trinta e sete anos, é casado com um homem atraente, tem dinheiro e uma vida confortável. Quem olha de fora o inveja por sua história, mas as pessoas não sabem que Ícaro está acorrentado a uma vida que detesta, com um marid...