Interlúdio I

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Hospital

Todos estes que aí estão

Atravancando o meu caminho,

Eles passarão.

Eu passarinho!

Poeminha do Contra, Mario Quintana

Porcaria de impressora idiota.

— Está tudo bem aí, Leo? — indagou um homem não muito distante dali, sua voz vindo com efeito de baixo para cima. Estava sentado em uma das dezenas de mesas cinzas e sem graça que parecia ser característico do pessoal do quarto andar.

Leonardo virou a cabeça curioso para fitar o rosto do homem. O sinal de curiosidade em seu rosto estava bastante visível, e com aquele terno formal e gravata vermelha-desbotada, parecia até um apresentador de televisão no fim de sua carreira.

— Mmm, tudo bem sim. — puxava um papel sorrateiramente enquanto movia os lábios, sua pressa era visível. — É só que esta impressora demora muito às vezes.

— É, claro que sim... — respondeu o homem entre uma risada forçada e voltou a olhar novamente para a tela de seu computador.

Leonardo estava bufando por dentro, revirando os olhos e desabando em mini gritos. Por fora, ao contrário, mantinha a compostura. Ou pelo menos tentava. Fazia de tudo para parecer o mais natural possível, ficou ereto, calculou os passos e segurou a folha na mão suada sem fazer muita força. Precisava só entregar aquele relatório e estaria fora dali, finalmente a tão cobiçada sexta-feira havia chegado. Poderia afinal, após toda aquela turbulência em sua vida recentemente, ter um pouco de descanso.

Começara a trabalhar ali havia apenas duas semanas, mas dava para ver em suas pequenas atitudes que não aguentava mais. Antes de chegar naquele lugar, tinha um trabalho proeminente bom. Era engenheiro pleno na empresa multinacional de seu avô; o salário era ótimo e o emprego era garantido, mas não havia prazer ali. Estudara aquilo por muitos anos, de certa forma sempre soube que se tornaria aquilo por pressão familiar, queriam manter a linhagem de "homens bem-sucedidos". Funcionou por um certo tempo, os primeiros anos foram os melhores de sua vida profissional. Estava completamente animado em desenvolver e colocar em prática toda aquela baboseira que aprendeu, ou melhor, engoliu goela abaixo em seus tempos de faculdade. Recebeu aumentos salariais, prêmios por desempenho e todo tipo de bajulação alheia. Os outros anos em que passara lá não foram assim tão bons, o salário obviamente se fixou e apesar de ser um ótimo preço pelo seu serviço acabou sendo um gatilho a menos a se recorrer quando precisava de uma motivação, uma ambição maior já não era tão bem-vinda ali. Haviam poucas pessoas acima dele em seu patamar hierárquico. E as que lá estavam, não poderiam competir com ele em uma coisa: era neto do dono da empresa, o que o dava uma espécie de vantagem emocional. A bajulação em pouco tempo foi se tornando um respeito forçado, ninguém ali realmente gostava dele pelo que ele era, mas sim por quem ele era.

E então casou-se com Lorena, isto deu bastante motivação para ele inicialmente, sempre gostara dela, mas as poucas vezes que tentou admitir foi interrompido por alguma coisa. Chegaram a ficar algumas vezes, mas nada nunca ia adiante, até que ele decidiu se abrir inteiramente para ela, e foi lindo! Porém as responsabilidades vieram juntas com ela; casa, carro, casamento e toda aquela bagagem capitalista que parecia que todo casal deveria ter. E Nina! Ah Nina, tão pequena e doce quando nasceu, cabia na palma de sua mão. Nunca fora um homem muito alto, beirava os 1,73, mas tinha longos dedos. Dedos que usava para fazer cócegas na pequena Nina, que trocava suas fraldas e a segurava no colo para colocá-la para dormir.

Com todas estas coisas vindo à tona uma atrás da outra, Leonardo não ficou triste, mas sim frustrado. Percebera que o que se levava da vida não era o que realmente tinha, mas o que fizera de valor. O casamento com Lorena e a própria Nina o fizeram perceber isto. E foi percebendo aos poucos o como não estava nada satisfeito com seu trabalho como engenheiro, pois não era o que realmente queria e decidiu dedicar-se à escrita. A Literatura era algo que nunca deixara de existir em sua vida. Quando não lia para si mesmo, lia para Nina na hora de dormir e ficou feliz ao ver que com o passar do tempo ela também foi adquirindo este hábito.

O Conto de NinaOnde histórias criam vida. Descubra agora