Capítulo doze

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Uma conversa amigável

Os punhos de Nina se fecharam abruptamente nas palmas de suas mãos e ela mordeu os lábios com força enquanto suas narinas dilatavam e suas sobrancelhas dobravam seus olhos tentando, inutilmente, acalmar a raiva que sentia. Não conseguia acreditar. Depois de tudo que passara, após todo o desespero e pressa...

E agora, simplesmente estava ali: presa num cômodo brega e sem graça com uma coruja metida e egoísta sentada numa poltrona de escritório. Nada fazia sentido e Nina não aguentava mais manter este sentimento sufocado.

— Como assim sinceridade? — apesar do tom infantil da garota, podia-se notar a alfinetada que ela queria dar com aquela pronúncia.

A brasa da lareira pareceu agitar-se.

— Sin-ce-ri-da-de. — Esiw começou a soletrar ironicamente, com seu tom de voz impassível. — Substantivo feminino; significa agir com franqueza...

Nina dobrou as mãos no seu peito e inclinou sua cabeça com um curto movimento de pescoço para o lado, enquanto mantinha um bico de pato e uma sobrancelha levantada como um "L" deitado enquanto observava a conduta inacreditável da sábia Sra. Esiw.

Então essa é a sábia coruja? Uma criatura debochada e senil?

A garota não conseguia acreditar, porém se ela tinha de dançar a dança daquela criatura, assim faria! Não se renderia tão cedo. Então, respirou fundo e descruzou os braços, moveu-se gentilmente como uma bailarina para frente, afim de se aproximar e receber mais atenção, e por fim murmurou.

— Bem, se você realmente quer saber o porquê preciso de ajuda, então lá vai...

Os olhos da Sra. Esiw abriram de curiosidade e fitaram a garota de relance enquanto ela se endireitava disfarçadamente na poltrona, prestando atenção no atrevimento dela.

— Primeiro, eu caí da escadaria da minha casa — a palavra saiu de sua boca quase que por cuspe, parecia um desgosto para Nina pronunciá-la —, e simplesmente acordei neste mundo estranho...

A brasa da lareira assumia uma compostura regular, enquanto a garota começava a relaxar os ombros e desenvolver a história. Os olhos da Sra. Esiw hesitantemente iam de encontro com os da garota, mas ela foi — conforme escutando — adquirindo gosto pela história. E assim Nina seguiu, ganhando confiança conforme desenvolvia, as vezes detalhadamente, as vezes pulando algumas partes desnecessárias.

— ..., mas o Abel não sabia voar, nem eu, então ficamos desesperados, por sorte, uns pássaros esquisitos — a Sra. Esiw já estava quase completamente virada para a garota, prestando uma atenção singular em sua história entusiasmada —, que mais pareciam corvos. Pensando bem — a garota interrompeu a linha de raciocínio para acrescentar uma observação pessoal. —, talvez até fossem, mas só tinham um olho e voavam sem bater as asas, sabe? Enfim, uns pássaros esquisitos apareceram...

Sra. Esiw assentia quase ininterruptamente para a garota que não parava de fazer perguntas retóricas e analogias sem pé nem cabeça, e um semblante ameno e acolhedor foi, sorrateiramente, substituindo aquela imagem rígida e ignorante dela para uma versão mais amigável e acolhedora.

Nina continuou a contar sobre sua aventura até ali: o encontro com sua gata Aurora, o baile de formatura de seus pais, as passagens entre memórias e locais do castelo interminável, a morte do seu amigo ursinho Abel, a solidão...

As paredes de coloração bege desgastadas refletiam as sombras dançantes através das brasas tremeluzentes da lareira. O cômodo era realmente sem graça para falar a verdade. Além da lareira e da poltrona, havia uma pequena mesa de madeira no canto e não muito mais que isso. E apesar de ser bastante estreito e quadrado, o teto possuía vigas grandes e bastante à mostra, e o piso parecia uma extensão das paredes, o que tornava ainda mais esquisito. Mas ainda assim, o que mais incomodava era a ausência de janelas e quadros, que chegava a ser perturbadora.

Sra. Esiw não é muito ligada à decoração, pelo visto...

A história passou por seus altos e baixos e à medida que avançava, a coruja se mostrou mais interessada por ela e demonstrava isso com pequenos gestos. Encarava Nina completamente agora, ainda com suas pernas cruzadas e os dedos entrelaçados na altura do colo enquanto assentia com a cabeça sempre que requisitado.

— ..., mas essa parte foi muito legal, pois ouvir os pensamentos um do outro! Além do mais, ficamos enorme, porque nossas formas se fundiram em uma só...

Os sentimentos da garota ao contar a história influenciavam diretamente na reação que a coruja teria ao ouvi-la. Fazendo assim, com que ela assentisse ora alegre, ora mais séria, com uma pitada de dúvida em seu semblante.

— ... foi quando eu percebi que eles não eram meus amigos de verdade, eram apenas projeções! E, bem — o olhar da garota se abaixou à medida que sua voz diminuiu, se mostrava bastante envergonhada —, o que eu fiz a seguir não foi muito bonito, mas... se não fosse por isso eu não estaria aqui! E é por isso que eu preciso da sua ajuda para decifrar esta pista e conseguir voltar para o meu mundo...

Sra. Esiw, agora completamente atenta a história da garota, desdobra a perna, desembaraça os dedos das mãos e faz um pequeno salto da poltrona para o chão sólido. Se aproxima da garota e inclina a cabeça enfaticamente para fitar os olhos dela enquanto segura um de seus ombros com sua pequena mão escondida na asa de penas marrons.

— Veja, Nina, eu entendo sua motivação e fico encantada que tenha feito tanto para chegar até aqui — tentou dizer de uma forma sutil, para que a garota não se magoasse precipitadamente —, mas isso não era o que eu queria ouvir, isso é apenas o que você queria falar...

E sem mais nem menos, virou de costas e foi andando a curtos passos em direção à mesa ao canto. Tocou na parede e fez-se abrir uma pequena brecha como uma gaveta de um armário, puxando um material misterioso que havia ali...

A garota estava incrédula. Como sempre, não sabia quanto tempo havia passado, mas tinha certeza que lhe custou bastante ter contado toda sua trajetória para ser descartada assim tão facilmente. Não conseguia entender... logo agora que a coruja parecia tão apreensiva, iludiu-se achando que a compreenderia e decidiria ajudar-lhe.

Mas o que devo fazer, então? Já fui sincera, não?

E parada ali, parecendo uma estátua, olhando além das paredes sem um foco preciso, apenas mirando no vazio, Nina encontrava-se meditando profundamente sobre o que deveria fazer. Parecia que ficaria assim por dias, se não fosse à interrupção de...

Sra. Esiw vira-se ligeiramente, primeiro o pescoço ultra flexível e depois o corpo sucinto. Desta vez, entretanto, dois objetos encontram-se reluzindo à luz da lareira em suas mãos esticadas na frente do peito. Um bule de porcelana revestido e uma xícara floral de... tulipas!

O bule...!

A xícara...!

O CHÁ!

A lembrança do chá quente fervendo no bule de porcelana enquanto raios de sol irradiavam pelas janelas da cozinha tomaram conta de Nina, lembrava-se de ter despejado o líquido numa pequena xícara com desenhos de tulipas exatamente como aquele! Isso para não dizer que era o mesmo...

Agora as coisas faziam um pouco mais de sentido, a realidade pareceu ter lhe atingido só agora, como um soco de nocaute vindo de lugar nenhum. Era difícil demais acreditar que tudo aquilo não passava de uma falsa representação de um sonho ou talvez até um pesadelo vestido de sonho.

Seja lá o que fosse se lembrava agora: havia feito chá e subido para ler, deve ter sido nesta hora que deixou despejar, sem propósito, uma pequena porção no piso sem carpete, e por isso...

Por isso havia caído da escadaria...

Por isso havia se machucado tanto e...

Por isso estava ali...

Tudo ficou lento, lento demais... tudo fazia sentido, sentido demais...

No fundo queria que fosse um sonho. Negara para si mesma que aquilo era qualquer coisa além disso: um sonho.

E ali estava ela e nada mais importava a não ser sua visão ficando turva e sua cabeça pesando toneladas, guiando-a lenta, lentamente para o chão enquanto as brasas da lareira se extinguiam.

O Conto de NinaOnde histórias criam vida. Descubra agora