Capítulo onze

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Quarto Portão: Alegria

Nesta passagem, era possível enxergar um longo corredor quase longínquo o bastante para afirmar que era do tamanho de um prédio deitado. Sua extensão era retangular e sua coloração cinza.

Muito além via-se um retrato, não, um quarto, que mais parecia um retrato de tão distante. Não fosse as chamas que saíam de uma pequena lareira ao fundo seria quase impossível dizer que não era um retrato. Havia também uma grande poltrona com rodas bem no meio, o que não fazia muito sentido para falar a verdade, já que o resto do cômodo parecia bem... tradicional.

Nina caminhou pela extensão retangular por praticamente um minuto até que ficou incomodada com a falta de aproximação que estava tendo, sentiu-se como se estivesse caminhando na maior esteira do mundo. Andava incessantemente, mas não chegava a lugar nenhum, tinha a impressão de estar exatamente no mesmo lugar. Acelerou os passos afim de reduzir a distância entre ela e o retrato móvel.

Seus pés tocavam no chão com força, seus joelhos sentiam o impacto e suas coxas balançavam com a dinâmica. Alcançou uma velocidade boa, considerando seu cansaço, mas logo desistiu e voltou a caminhar rápido, e foi reduzindo até que estivesse apenas empurrando as pernas para frente. Olhou para trás para ver o quão longe estava do que sobrara do espelho e notou que estava bem atrás dela ainda.

Não entendeu muito bem o que deveria fazer a partir dali, mas ficou bastante claro que correr não era a solução. Parou por um instante para refletir e foi nesse meio tempo que notou uma pequena silhueta se movendo.

Não era um retrato, afinal. A poltrona movera-se para o lado e a pequena silhueta caminhara para a lateral, onde já não dava para ver o que havia, devido a limitação visual. Talvez seja a sábia coruja, Nina pensou esperançosa.

— Olá! — seu grito ecoou pelas paredes cinzas. — Como eu faço para sair daqui?

— Não vê que estou ocupada? — retrucou quase no mesmo instante a silhueta do outro lado, sua voz nadando nas ondas do eco.

— Mmmm... d-desculpe.

— Não fique aí se desculpando, me fale logo o que te trouxe aqui.

— Eu sou...

— Nina — interrompeu —, eu sei quem você é! — e essas palavras fizeram inusitadamente a presença do corredor ser sugada para dentro de onde a voz vinha, como uma gaita ponto se contorcendo. — Mas não foi isso que eu perguntei, foi?

Nina agora podia ver de perto as feições da coruja, seu rosto era composto por tons diversos de marrom, entre as bochechas e os olhos uma tonalidade mais clara e delicada, e cobrindo a testa até a ponta do nariz havia um toque mais achocolatado. Seus olhos eram amarelos demais, pareciam quase prestes a soltar luzes deles. Na diagonal de cada olho havia uma linha grossa que interligava diretamente para as orelhas que ficavam acima de seu rosto, fazendo-a ter uma expressão quase paralisada de raiva ou desconfiança. O resto do seu pequeno corpo seguia a mesma lógica de cores, mas aparentava ter sido batida em um liquidificador, que misturava ainda mais as tonalidades, fazendo difícil identificar onde uma terminava e onde a outra começava.

Foi quando ela moveu suas finas patas alaranjadas com afiadas garras pretas que a garota percebera que a estava encarando por tempo demais, e por fim se deu conta de que a coruja era bem menor do que ela imaginara.

Uma presença rígida e séria, sim. Mas como uma figura ainda menor que ela poderia ser dotada de tanto poder e conhecimento, como acreditavam? Era difícil crer, e ela se sentia perdida demais com tudo aqui, ainda nem entendera como ela fez para reduzir a distância do corredor e...

— Você não é muito boa com palavras, não é garota?

— Desculpe, é que...

— Para de se desculpar de uma vez por todas, garota!

— É que me falaram que você poderia me ajudar — começou ganhando espaço na conversa sutilmente —, caso eu conseguisse passar pela fronteira — deu uma breve soluçada e denunciou a própria exaltação quando recomeçara a falar —, mas quando eu entrei lá foi horrível, um grande pesadelo! Você precisava ver...

— Eu não preciso ver nada, fui eu que projetei a fronteira...

A curta coruja enrijeceu os ombros e caminhou dramaticamente para perto da poltrona no centro do quarto, mantendo um silêncio pausado. Estrategicamente, isso fez a garota se acalmar um pouco.

— Bem, devo admitir que construí a fronteira para que ninguém conseguisse atravessá-la. — tornou a olhar diretamente para os olhos de Nina agora como se estivesse tentando intimidá-la. — Mas você conseguiu, então, deve ser digna da minha ajuda.

O semblante da garota se animou na mesma hora, e percebendo esta reação a coruja ficou indignada e rebateu antes mesmo que ela pudesse falar alguma coisa.

— Mas não se engane, garota, isso não quer dizer que eu vou ajudá-la.

Por que tudo havia de ser tão difícil?

— Mas por que não? Eu enfrentei tantas coisas para poder falar com você! — a voz de Nina soou um pouco mais grave do que deveria.

— Abaixe sua voz, garota insolente! — a coruja se aproximou da garota, e se não estivesse aturdida demais ainda, ela poderia jurar com certeza de que a criatura aumentara um pouco seu porte físico, mesmo que por um tempo bem curto. — E só para constar eu tenho nome, é Esiw! Para você: Senhora Esiw!

E Nina a observou se recompondo deslizando com um calmo movimento para a poltrona e virando-se para a lareira. Ficou com as patas cruzadas para cima como uma criança enquanto apoiava a cabeça no acolchoado e a garota via seus olhos se fechando gentilmente, como se ela nunca estivesse existido ou estado ali.

Nada parecia importar para aquela coruja velha e egoísta, e Nina queria gritar isso a todos pulmões, para o castelo inteiro ouvir.

Mas sabia que aquilo não daria em nada, e pior, só tornaria ainda mais difícil — se não impossível — sua jornada para achar a tal da alavanca, a estúpida alavanca. Talvez ela soubesse onde estava, mas é claro que não iria contar. Isso não importava, Nina só precisava achar um jeito de conseguir traduzir a pista que encontrara com Abel.

Ah, Abel! Que saudade sentia dele, com certeza saberia o que fazer neste momento também, como persuadi-la ou ao menos incentivá-la a ajudar.

Como não poderia ficar se prendendo a coisas que não iriam acontecer por muito tempo, Nina decidira ser gentil com a coruja, ou melhor, Sra. Esiw. Aliás, sua vida agora dependia da ajuda dela, e a garota com certeza não iria colocar tudo a perder por causa da falta de simpatia dela, pois sabia ser gentil – ou ao menos fingir ser - quando queria alguma coisa. Aliás, que criança não é assim?

— Sra. Esiw... — falou sorrateiramente se aproximando da poltrona e encarando os olhos fechados da coruja.

— Não vou cair neste truque. — retrucou antes mesmo que a garota pudesse terminar a frase e pôde sentir que Nina se envergonhou, mesmo sem precisar observá-la. — Preciso que você peça com sinceridade...

O Conto de NinaOnde histórias criam vida. Descubra agora