Pensar em mulheres chorando em cemitérios e bruxarias diante de uma porta enterrada me faziam sentir em um sonho louco e completamente exaustivo do qual eu queria acordar o quanto antes.
Estar naquele lugar, naquela estranha civilização de ricos e de pessoas exotéricas me deixou relativamente exausto, menos do que um dia em São Paulo, mas, de algum modo, mais cansado do que se é esperado para um primeiro dia num novo lugar.
Tudo que havia acontecido até então, depois de olhar o jardim da rodoviária, havia me conduzido em boas surpresas e saias justas, sendo que quis as primeiras e por consequência recebi as segundas.
No entanto, havia um limite de bom senso que eu já havia ultrapassado ali e que me deixou desconfortabilíssimo. A estranheza – eu queria acreditar que já havia chegado ao ápice – não era bem o que eu esperava ao chegar no lugar onde passaria uma temporada.
No entanto, ao chegar no estacionamento do casarão, lembrei que ainda deveria participar de uma reunião na meia noite e depois visitar o quarto de Bel.
Dos dois pensamentos, o que mais me apeteceu foi o segundo e por ele recobrei o ânimo de tratar do primeiro.
Usualmente eu ia dormir antes das dez, depois de um banho, mas agora já se ia onze horas e eu não tinha nenhum vestígio de sono, embora meu físico já estivesse reclamando e eu desejasse sentar e tomar alguma coisa.
– Você conversou com aquela mulher, hã? – pediu Estevão, enquanto caminhávamos de volta à festa.
– Sim! – respondi – Ela me falou sobre ir embora dessa cidade. Não sei o que quis dizer.
Na verdade, eu começava a desconfiar, conforme as coisas iam se desenrolando, dos motivos para a mulher ter me alertado para sair dali. Aquela cidade tinha moradores loucos.
– São cristãos fanáticos – ele me advertiu – Aqui as coisas são mais liberadas, temos nossa liberdade, temos dinheiro e podemos agir segundo nossa vontade.
– No que se baseia a economia aqui? – perguntei.
Ágata estava na minha frente junto com as outras meninas. Eu a olhei, desejoso, e procurei censurar os meus pensamentos. Ela era namorada do meu primo e eu precisava respeitar isso.
Estevão riu, percebendo meus pensamentos, e respondeu:
– Os colonizadores, nossos ancestrais, vieram para cá com muito ouro. Colonizaram essa região e juntos formaram o Círculo da Meia Noite, que é um conselho de nossos membros, regras e planejamento... – o garçom estava logo na entrada e nos servimos de uísque – É uma espécie de irmandade, nos ajudamos e auxiliamos.
Era uma boa maneira de começar uma nova cidade, mas não imaginava por quanto tempo eles estavam naquele lugar. Pelos costumes, acreditei que o Círculo da Meia Noite era antigo e muito respeitado.
– E por que os religiosos não gostam disso? – pedi.
– Pois a fortuna que nossa união fez os incomoda. Nós aproveitamos a vida, cada momento. Cada um de nós é deus durante a vida e temos o direito de aproveitar cada minuto sem nenhuma privação. No entanto, a moralidade é empecilho aos nossos prazeres, então a ignoramos.
Ri ao imaginar a hipótese de as freiras ouvirem aquilo. Com certeza não seria bem visto. Sobre a ótica cristã, a vida terrena não era um fim em si, mas auto sacrifício à espera da recompensa para além da terra e busca do paraíso.
– O céu de vocês é aqui? – perguntei.
– Sim – ele me disse – Sem Deus que possa nos impor medo, sem os olhos julgadores para nos alcançar. Não há necessidade de justificativa para os nossos prazeres, sejam eles quais forem.
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Os Netos de Ló
Gizem / GerilimFausto chega na pequena cidade de seu tio adotivo. Entre a morte misteriosa de um jovem e hábitos estranhos dos moradores, ele descobrirá uma seita existente desde os tempos de Sodoma e Gomorra e seus planos sombrios para a humanidade. Livro no Kind...