Caixa de Brigas

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Olhei para a caixa em minhas mãos, era de madeira de carvalho, velha e empoeirada. Foi um presente de meus pais no dia de meu casamento com Anahi, quatro anos atrás.
Meu pai Alexandre disse que era a Caixa de Brigas, era usada apenas quando o casal tivesse a primeira briga séria, e nela eram colocadas cartas onde dizíamos o que amávamos um no outro, junto com um vinho que minha mãe fez questão de presentear, saindo diretamente de sua adega particular.
Eu e Anahi nunca brigamos durante o namoro, ela era sempre gentil e compreensiva, odiava discutir e estava sempre sorrindo. Coloquei tudo isso em minha carta.

Nos conhecemos quando ela tinha treze anos e me bateu por bater no irmãozinho dela, estava muito brava comigo e eu estava embasbacado por ter apanhado de uma garota dois anos mais nova que eu. Não preciso nem dizer que vivemos como gato e rato, perseguindo o outro sem de fato brigamos. Viramos amigos, talvez os melhores amigos, e até o irmão dela passou a gostar de mim depois de alguns meses.
Começamos a namorar no aniversário dela de 15 anos, onde fui chamado pra dançar a valsa com ela e as outras catorze debutantes. Eu combinei tudo com os pais dela, as amigas e os meus amigos.  Sorrateiramente fiz um sinal para o rapaz do som e ele colocou uma música lenta, as luzes se voltaram para nós e eu a pedi em namoro. Ela riu, depois chorou e riu de novo, assentindo desesperadamente enquanto olhava o pequeno solitário que comprei para a ocasião, com uma pedra rosa em formato de coração.
Terminei o ensino médio naquele ano, a levei em minha formatura, fui o rei do baile e tive que dançar com outra garota que foi a rainha, e mesmo sabendo que a garota gostava de mim, nós não brigamos.
Dois anos mais tarde eu já estava na faculdade, fui ao baile dela, sem me surpreender quando ela foi declarada como a rainha do baile quase por unanimidade de votos, pois eu sabia que Anahi era a pessoa mais doce desse mundo, com qualquer pessoa que fosse. Ela precisou dançar com o rei, que descaradamente dava em cima dela mesmo sabendo que eu estava ali observando. Mas depois de um belo chute no meio das pernas, ela correu até mim e passamos o resto da noite dançando.
No ano seguinte ela começou a faculdade de psicologia e me fez entrar nas ações de caridade que gostava de fazer, as quais com o tempo também aprendi a gostar. Outra coisa sobre ela que estava na carta dentro da caixa: seu enorme coração não tinha limites para amar e ajudar ao próximo.
Terminei minha faculdade de Direito e fui trabalhar com meu pai, logo depois Anahi terminou a sua e se especializou em psicologia do idoso, ela amava ouvir suas histórias e disse que eram as melhores pessoas para trabalhar. Quando me contou isso, no meio do jantar com alguns amigos em seu restaurante favorito, finalmente puxei a caixinha de veludo que guardava desde minha formatura, e lhe estendi, mostrando a aliança de ouro.
Todo o restaurante parou, parecia que ninguém respirava, mas ali estava minha Anahi, que riu, chorou e depois riu de novo, assentindo fervorosamente para meu pedido.
Casamos no ano seguinte, perto do seu aniversário de vinte e cinco anos, na praia com todos os nossos amigos e família reunidos.
Eu sempre soube que Anahi seria uma esposa perfeita, que cuidava de si, de mim e da casa, tudo com maestria, como se fosse algo inato para ela. Amava cozinhar, e o fazia muito bem, mas aos finais de semana era eu quem cozinhava para ela. Eu limpava os banheiros, tirava o lixo e lavava toda a louça durante a semana, enquanto ela cuidava da louça dos finais de semana e passava pano na casa. As outras tarefas conseguíamos revezar, quem podia fazer, fazia.
Era simples. Era um casamento perfeito, sequer nos desentendemos alguma vez, tudo sempre foi resolvido com uma boa conversa e sexo selvagem em qualquer lugar.
Mas agora, depois de quase exatos quatro anos de casados e mais de dez anos juntos, eu a tinha magoado, pela primeira vez.
Uma coisa era dormir no meio da ligação ou esquecer a panela de comida no fogo, mas eu havia machucado ela.
Foi a primeira vez que chegamos perto de gritar, a primeira vez que dissemos coisas que não queríamos dizer, a primeira vez que de alguma forma chateamos um ao outro, então lembrei da caixa. Era um momento perfeito.

Carreguei a caixa até a sala, onde Anahi ainda exibia seu bico chateado e cruzava os braços por cima da barriga protuberante, grávida aos sete meses.
- Venha Any, vamos abrir a caixa - Disse sutilmente, me sentando na mesa de centro ao lado de onde ela apoiava os pés.
- Poncho... nós não brigamos - Disse magoada, mas querendo sorrir.
- Mas te chateei. Sei disso. Então vamos abrir.
- Mas Poncho, podemos guardar a caixa, eu só disse que não podemos dar seu nome ao bebê se for um menino - Ela riu.
- Ah, Any, vai dizer que não gosta do meu nome? E não minta, pois é meu nome que chama quando estamos na cama - Sussurrei, recebendo seu sorriso malicioso que me enchia o coração. Deus, eu amava aquela mulher.
- Eu adoro seu nome amor. Mas você já é Alfonso Filho. Não posso colocar Alfonso Neto no bebê, seria cruel!
Gargalhei - Meu amor você realmente quer discutir sobre crueldade? Você quer colocar Lourdes se for menina.
- Lourdes é um nome lindo!
- Não, era o nome da merendeira do Colégio!
Ela soltou uma gargalhada gostosa que me fez roubar um beijo seu. Depois mais um, e mais um, e outro...
Seguimos da sala para o quarto, depois para a cozinha e o banheiro.
A Caixa de Brigas foi esquecida ali por mais alguns dias, até que eu guardasse outra vez no armário.
Dois meses depois, a vi outra vez, enquanto pegava as malas do bebê que estava chegando naquele dia, mas a caixa permaneceria ali, pois tudo estava certo com os nomes e o sexo ainda era uma surpresa até o parto.
Elizabeth Puente Herrera, ou apenas Liz, nasceu perfeita, chorando tão alto que meus ouvidos doíam, e apenas parou quando Anahi lhe pegou e cantou a mesma música que cantava durante toda a gestação. Me apaixonei outra vez por minha mulher.
Quase um ano depois, procurei Anahi pela casa, com Liz adormecida em meu ombro, e a encontrei em frente ao armário, olhando a caixa.
- Não precisamos abrir Any, você sabe disso - Falei suave, sorrindo para uma Anahi emburrada.
Ela se virou para mim, bem na hora que Liz acordou e mexeu em minha barba.
Dessa vez, eu insisti em dizer que nossa filha era totalmente a minha cara, mas Anahi discordava fielmente, dizendo que era uma mistura de nos dois. Ao todo ela não estava errada, pois apesar de Elizabeth ter a cor negra de meus cabelos e os meus olhos verdes, tinha os lábios carnudos de Anahi e o nariz delicado como o dela, mas eu não admitiria isso.
Outra vez a caixa foi esquecida no armário, enquanto eu e minhas duas meninas nos deitamos juntos para ver um filme.
No aniversário de cinco anos de Liz, ela pediu um irmão, mas não queria outra garota, pois queria um garoto para brincar de bola e nenhuma outra garota gostava. Mal sabia ela que Anahi ja estava grávida, e novamente fizemos suspense sobre o sexo, guardando para descobrirmos apenas quando o bebê nascesse.
Dessa vez, com oito meses, dois quilos e cinquenta centímetros, Theodoro Puente Herrera nasceu calmo, sem todo o choro da irmã, apesar da mãe estar em prantos na cama depois do parto. Ele sim era a cara da mãe, loiro de olhos azul piscina, mas tinha meu nariz.
Os anos se passaram, Liz e Theo cresceram rápido de mais, herdaram a calmaria da mãe e nunca os vi brigar por nada. Liz o tratava como um presente, e Theo idolatrava a irmã mais velha, e eu e Anahi continuamos resolvendo tudo na base da conversa e sexo.
A caixa foi esquecida, pegou poeira e logo eu nem lembrava mais de sua existência, até o dia em que procurava uma máquina antiga e me deparei com a madeira de carvalho.
- Any, pode vir aqui um instante? - Chamei sutilmente, e ela logo apareceu vendo o objeto em minhas mãos.
- Nós brigamos? - Ela sorriu, e me perguntei quem em sã consciência poderia brigar com uma criatura como Anahi Portilla?
- Não meu amor. Eu não sei se sou capaz de brigar com você.
- Briga comigo quando como muito chocolate - Ela disse fazendo um beicinho. Mesmo já em idade avançada, com rugas marcando seu lindo rosto e sem toda a energia de antes, ela ainda era a mulher mais linda da minha vida.
- Sua glicose já está bem alta, eu apenas cuido de você.
- Sei - Brincou - Guarde a caixa, não precisamos dela.
Novamente a caixa foi guardada e esquecida.
Acabamos nunca abrindo, nunca li a carta que deixei para ela e ela nunca leu a minha carta, mas as declarações de amor nunca faltavam. O vinho nunca foi degustado, mas bebemos tudo o mais que poderíamos beber.
As brigas reais nunca vieram, não por que éramos um casal perfeito (apesar de que na minha cabeça, éramos sim), mas por que conversávamos e fazíamos muito sexo (sim, muito).
Nosso casamento nunca foi fácil, mas Anahi o tornava delicioso e forte, e eu a amava por isso.

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