Capítulo XII

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Ressonância

          O mundo físico se desfazia diante de seus olhos. Ele apoiava-se em sombras, arrastava os pés sobre planos indefinidos, uma trilha vermelha seguindo seus passos cambaleantes. No caminho, figuras tremeluzentes se opuseram à sua passagem, e ele fora obrigado a dominá-las e forçá-las a saírem da frente.

          Então os contornos do mundo subitamente ficaram mais luminosos, com uma gigantesca bola de fogo branca no céu acentuando as linhas negras em sua visão. Ele pressionou o que parecia ser um botão e logo algo surgiu à sua frente, flutuando a centímetros do solo. Ele entrou na coisa.

          Sua percepção de tempo estava distorcida. Os segundos arrastavam-se, repetiam-se, a mesma paisagem assolava seus os olhos incontáveis vezes, indo e vindo, para, em seguida, materializarem-se em outras, muito distantes. Cada minuto se assemelhava a uma hora, mas cada hora era como um minuto. Quando, em algum momento, algo familiar surgiu lá fora, suas pernas jogaram-no para frente e ele pisou novamente no solo.

          Agora estava muito frio. Enquanto avançava para além do portão, as imagens foram sendo gradualmente redefinidas. Já sabia para onde fora: sua casa. Podia ouvir o latido do cão, um berro metálico de um monstro.

          Amber seguiu caminho com pernas de papel, abrindo portas até seu quarto.

          Era o fim daquela vida. Desde o que fizera com Joe, ele sabia que aquilo não duraria muito. Estava manchado para sempre. Não só pelas autoridades, mas em seu próprio coração. Poderia dizer a si mesmo que a culpa era da droga, que ela o modificava de alguma forma, ou que era de Donnie, por tê-lo apresentado a ela, mas esses eram subterfúgios destinados ao colapso. A decisão final de tomar min-d fora dele, e sabia disso. Desculpa alguma o livraria da escuridão, do vazio escoando pelas rachaduras de sua realidade. Pelo menos não estava sozinho. Tinha Jill e seu amor. Enquanto possuísse essas duas coisas, nada mais no mundo importaria.

          Não havia tempo para fazer uma mala. Teria que encontrar uma forma de fugir da cidade, entrar nas zonas florestais não-civilizadas e se esconder com Jill pelo resto da vida. Sabia que ela viria com ele. Ela o amava mais do que tudo. Mas, para isso, precisaria das pílulas restantes. Então iria até uma clínica e obrigaria alguém a cuidar de seus ferimentos. Tinha que agir rápido.

          Amber atravessou o quarto aos tropeços, saltou sobre os livros na estante, derrubando metade deles até encontrar aquele de capa de couro. Arrancou as quatro pílulas restantes da contracapa e guardou-as nos bolsos. Foi quando viu um objeto na prateleira de baixo e pegou-o. Soube de imediato o que era.

          Como isso veio parar aqui?, com essa dúvida em mente, ele se virou para ir embora. Seu giro, no entanto, foi interrompido quando algo gelado atravessou a parte inferior de suas costas. Subitamente, raízes de uma dor excruciante espalharam-se a partir do local, forçando-o a arquear-se e gritar de agonia. Aterrorizado, ele virou-se, o braço arremessado com fúria na direção do atacante. Só que, sem forças, essa ação cristalizou-se apenas em sua mente.

          Houve uma dolorosa pressão no cérebro. Uma súbita e violenta rajada de vento irrompeu à sua volta. Então a pessoa às suas costas foi violentamente projetada para trás, dando uma volta sobre si mesma antes de se chocar com a parede ao fundo.

          Exaurido, Amber desmoronou de joelhos. A consciência ameaçava abandoná-lo. Uma poça de sangue adquiria formato aos seus pés. Com a faca ainda enterrada nas costas, ele deitou de bruços e usou de todas as suas forças para rastejar. Arrastou-se usando as mãos, até estar próximo o suficiente para acariciar os cabelos dela.

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