O começo

29K 948 89
                                    

Acordo assustada com o som irritante do meu celular tocando. Faço um coque no cabelo e me levanto vendo que o relógio marca 03:47 da manhã.

Alcanço meu celular vendo minha tia me ligar.

- Oi tia - a cumprimento - Bença. Meus pais já chegaram aí? - pergunto notando sua respiração pesada me deixando preocupado - Tia?! - a chamo novamente

- Manu !!! - ela diz com voz de choro me fazendo despertar de uma vez só

- Tá chorando tia? - pergunto me sentando na beirada da cama - O que houve? - O desespero me toma

- Eles não ligaram pra você? - ela pergunta

- Eles quem? Do que você está falando do tia? - pergunto já tomada pela raiva e pela angústia, ela não tá falando nada com nada

- Seus pais Manuela - diz fazendo minha respiração falhar - Foram vítimas de um assalto, meu Deus - Chora mais ao telefone

- Onde eles estão? - pergunto me levantando e já calçando meu tênis - Eles estão bem não é? - Digo já deixando algumas lágrimas caírem enquanto ela chora mais ao telefone - Tia Ju, eles estão bem não estão? - pergunto me desesperando. Merda, ela não me responde.

- Teu primo já tá no caminho pra te pegar Manuela! - Ela diz e encerra a chamada

- Mais que porra - resmungo ainda chorando ligando direto pra minha mãe

- Sua chamada está sendo encaminhada para caixa de mensagem - escuto pela milésima vez

- Caralho - resmungo

(...)

Duas horas depois.

Estou andando de um lado para o outro tentando ligar para minha tia Juliana. Ninguém me atende, nem mesmo meu primo.

Me assusto quando alguém bate forte na porta.

- Manuela, tá acordada?! - Escuto a voz de Diego, meu primo.

Correndo até a porta girando a chave numa velocidade Record. Encontro diante de mim um menino com cabelo bagunçado e olhos inchados. Antes que perceba estou sendo abraçada e carregada até o sofá. Ele chora em meu ombro e eu automaticamente choro com ele. Por que sinto que estou sozinha daqui em diante?!

- O que houve Diego? - Pergunto em meio a soluços afastando-me de seu ombro

- Eu juro que irei vingar eles Manu, eu te prometo, prometo a você - Ele diz chorando

- Meu pais! - Olho pra ele aterrorizada - Estão no hospital? - Me levanto as pressas enquanto ele me olha em choque

- Minha mãe não te contou? - Ele pergunta limpando algumas lágrimas enquanto nego

Ele se levanta e me abraça forte resmungando um palavrão baixo.

- Eles morreram Manu - Diz fazendo meu coração errar a batida - Na entrada do morro - diz me apertando quando meu choro aumenta

Diego é sub gerente da Rocinha. Sua mãe, vulgo minha tia Juliana, conheceu a minha na faculdade e se tornaram grandes amigas. Tia Ju sempre viveu na comunidade e deu abrigo a minha mãe quando os pais dela a botaram pra fora de casa. Com o tempo formamos um pequena família, veio Diego e logo depois eu nasci.

Eu moro no interior do Rio de Janeiro e minha tia na capital, na Rocinha claro. Diego deu uma casa grande pra ela, algumas ruas abaixo da boca.

Esse final de semana meus pais iriam visitar minha tia. Fazia um tempo que não íamos pro Rio. Eu fiquei pois estou estudando para o Enem, preciso conseguir uma vaga na federal para engenharia.

- Calma Manu, tu vai comigo pro Rio. Vai ficar lá em casa - diz me agarrando mais

- Como assim morreram Diego? - pergunto desesperada

- Vou achar quem fez isso com eles Manuela, prometo a ti - Me aperta em seus braços

(...)

1 mês depois

- Manuela, acorda criatura - Tia Ju me balança.

Me mudei para cá a um mês. Ainda sinto o luto presente, ainda choro sozinha a noite, e sorrio pelo carinho que tia e Diego tem demonstrado comigo. Eu vendi praticamente tudo da minha antiga casa, trouxe comigo apenas minhas roupas, e coisas especiais como porta retrato, o vestido preferido da minha mãe, o travesseiro do meu pai. Apenas coisas simbólicas.

- Tu precisa sair do quarto menina, precisa comer - Ela adverte - O dia tá lindo lá fora e você enfiada no quarto - Fala colocando a mão na cintura me fazendo sorrir

Desde que cheguei não sai na rua, apenas ando pela casa e evito a varanda. Não quero ver o mundo, não quero viver sem meus pais presentes nele. Dói, todo maldito dia dói. Fico pensando nas possibilidades que poderiam ter acontecido, um engarrafamento impediria o assalto naquele momento, eu poderia estar no carro e talvez não sentir essa dor.

Eu só não quero ter que encarar a realidade ainda. Não sei como vai ser viver sem eles.

- Já vou levantar tia - Digo me sentado na cama e ela sorrir de modo doce

- Você tá uma menina tão bonita - suspira - Lembra tanto tua mãe - sorrir melancólica e eu suspiro

- Vou tomar um banho - digo e ela se levanta concordando saindo do meu quarto

Me levanto da cama tirando minha blusa do pijama e jogo sobre a cama. Tiro o short e faço o mesmo com ele, fico apenas de calcinha caminhando para meu banheiro. Me olho no espelho e vejo o desastre que estou.

Meu cabelo longo parece um ninho de passarinhos, minha cara denuncia meu estado de depressão e luto, meu corpo por sorte continua o mesmo, magra, peitos e bunda grandes. Enfim.

Tomo um banho lavando meu enorme cabelo. Saio enrolada na toalha vestindo em seguida um short jeans curto e uma blusa curtinha preta.

Abro a porta do meu quarto e desço as escadas andando em direção a cozinha. Encontro Diego preparando um sanduíche me fazendo sorrir.

- Bom dia linda - Ele diz virando me dando a visão de sua arma na cintura

- Bom dia Di - Digo o abraçando e roubando um sanduíche pronto dele

- Folgada do caralho - Resmunga sorrindo de lado

- Também te amo bebê - Digo com a boca cheia fazendo ele rir

- Hoje tem baile lá na quadra, vamo cola?! - Me convida também de boca cheia

- Acho que sim - Digo e ele olha surpreso pra mim

- Tá de saca? - zoa - Finalmente vai sair de casa, tu nem conheceu o morro ainda, te apresentar os moleques e as minas daqui - Fala e sorrio

- Tá bom - Digo mastigando esse treco que ele chama de sanduíche

- Preciso ir, GH tá me esperando - Diz pegando sua blusa sobre a mesa - Baile as 22:00, fica pronta - Diz e me deixa na cozinha sozinha

- Manu, tô indo pro salão - minha tia aparece arrumada pro trabalho - Tu faz o almoço? - Concordo com a cabeça e ela sorrir - Diego,GH, e Felipe vão almoçar aqui, então dobra a comida que esses meninos comem igual pedreiro em obra - Rimos juntas

- Pode deixar - Digo me virando e arrumando a bagunça que Diego fez pra fazer o sanduíche

A nova moradora do morro Onde histórias criam vida. Descubra agora