10°

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Já era fim do entardecer. Andei até a praia dos fogos. A brisa costumava me acalmar. Sentei na areia branca, pensei na noite do desaparecimento dos filhos de Hécate, parece que foi a éons atrás, será que eu poderia fazer algo para impedir? Eu fui a única a perceber o movimento no meio da noite, e não fiz nada, aliás, não tinha nada que eu pudesse fazer. De qualquer forma me sentia culpada.

Senti uma mão em meu ombro, era Grover, eu nunca tinha mantido contato com ele, mas Tullipa estava sempre falando dele, tão corajoso, destemido, heróico, como ela dizia, ele sempre aparecia nos momentos certos. Ele permaneceu de pé, olhando para o horizonte.

- Eu sei o que está pensando.

- Não sabia que sátiros podiam ler mentes.

- Não sei ler mentes, mas já vi esse olhar antes.

Permaneci em silêncio e ele continuou.

- O mundo lá fora é muito perigoso para um semideus, principalmente pra você Selene, eu já vi muitos se perderem, odiaria ver isso novamente e saber que não fiz nada para impedir.  Apenas...tome cuidado, ok?

Ele baixou a cabeça e seus olhos brilharam, parece que sabia mesmo ler mentes, mas por incrível que pareça não me repreendeu por sentir assim, parece até que me incentivou. Seja como for, eu poderia ter feito alguma coisa, e vou fazer! Já está decidido.

         
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O dia amanheceu, meu humor não estava nem um pouco melhor, a única coisa que me agradou foi a neblina que se formou logo que o sol saiu, não estava com a mínima vontade de ir ao pavilhão e tomar café com toda aquela barulheira, resolvi ficar no chalé.

É claro que eu não iria ficar atoa, resolvi montar um plano, juntando as informações que eu tinha e as que precisava conseguir. Comecei a colocar os botões para funcionar, bem o que eu tenho até agora? Um tridente e um chalé inteiro desaparecidos, não é muito bom mas é o que tenho. Meu objetivo principal seria descobrir onde andam os filhos de Hécate que eu deixei serem raptados. Mas por onde começaria? Por sorte eu consigo farejar magia como um cão caçador, então facilitará a tarefa, o que dificultará é que eu não tenho ponto de partida, ou seja, tenho o mundo inteiro para procurá-los.

Apesar das dificuldades procuro não desanimar, afinal, quem sabe eu mato dois nabos com uma cajadada só? (Matar coelhinhos inocentes é feio!) Pensei bastante e conclui que os dois desaparecimentos podem ter uma ligação, será difícil descobrir qual é, para isso, eu precisaria partir imediatamente, antes que o rastro da magia esfrie e desapareça ainda mais.

Rezei a Nyx que ninguém descobrisse meus planos, que o tal Nico pé-no-saco di Angelo não me atrapalhasse hoje. Arrumei minha mochila só com o básico e essencial, nada poderia me atrapalhar, eu tinha uma missão a cumprir, nem que custasse minha miserável vida.

Me senti culpada por não falar nada a ninguém, nem mesmo a Andy, pensei em quantas pessoas ficariam bravas com isso. Essa foi a parte mais difícil.

Esperei anoitecer, quando a única coisa que escutei foi o piar das corujas resolvi sair, uma missão impossível, já que por terra seria muito perigoso, teria que ser pelo ar. Ainda não sei como voar com minhas asas ou se elas aguentariam um vôo, além disso não será nada fácil me desvencilhar das harpias, mas essa era minha única chance.

Peguei a mochila e fui para a varanda do chalé, respirei o ar da noite, e como se fosse um choque elétrico percorrendo o meu corpo, senti uma energia repentina, e minhas asas apareceram, sem dor, por mais incrível que pareça.

É chegada a hora, tentei não pensar muito para espantar o medo, abri meus braços e me atirei da varanda. Perdi o controle do vôo nos primeiros segundos, mas antes de atingir o chão consigo planar com segurança e vou ganhando cada vez mais altitude.

Observo pela última vez o acampamento, me distanciando em direção a estrada, espero chegar a cidade logo, por sorte a noite faz com que eu me sinta mais ativa, porém o dia amanheceria logo, pretendia me aproveitar dessa vantagem.

Sobrevoei a estrada tomando cuidado para não ser vista pelos carros que trafegavam na rodovia. Olhei para o relógio de pulso que meu pai me deu, ele mesmo que fez, já iria amanhecer, então eu teria que fazer o resto do caminho a pé. Mas todo o vôo do acampamento até aqui me deixou exausta, resolvi descansar um pouco. Avistei algumas luzes ao longe, já estava chegando a civilização.

Kailash

Peguei mais uma flecha na aljava e coloquei no arco, mirei no meu alvo e atirei. A flecha passou a três metros de distância e não acertou nada. Eu não costumava errar, e essa era a quinta vez só hoje. Isso acontece quando se está com os nervos a flor da pele.

Eu tive mais um daqueles sonhos de semideuses, infelizmente, esse tinha a ver com a minha maldição. Não sei o que fiz pra merecer isso, ser amaldiçoado quando se é apenas um bebê, não pude nem me defender, mas vou tomar todo o cuidado possível para que nada de ruim aconteça, e essa maldição mate apenas a mim.

Naquela manhã não vi Selene em lugar algum, nem a tarde, parece que não saiu do seu chalé o dia inteiro. A última vez que nos falamos foi quando os campistas desapareceram, ela parece ter ficado muito perturbada com isso, todos estamos, mas ela principalmente.

Deixei o treino pra outro dia. Fui para a aula de pégasus. Fiquei tentado a ir até o chalé de Nyx ver Selene, mas me contive, fiz muita meditação com a minha mãe enquanto estavamos na Índia.

Enquanto passava em frente a Casa Grande, vi um pequeno movimento na varanda. Quíron, Andy, Will, Nico e Tullipa, todos pareciam bastante preocupados, observei-os por um momento, tentando adivinhar o que estavam deliberando, até que Tullipa me avistou e sussurrou no ouvido de Will que saiu andando da varanda em minha direção.

Continuei andando como se estivesse só de passagem, Will me parou e disse:

- Kai! Espera.

Ele falou em um tom de voz autoritário e eu parei de andar, ele tinha alguns cachos loiros sobre a testa, mas mesmo assim pude ver seu cenho franzido.

- Podemos conversar um instante? - Cruzei os braços e o fitei tentando esconder a curiosidade.

- Claro, pode falar. - eu disse em um tom casual. Ele apertava as mãos meio que inconscientemente.

- Você tem visto a Selene ultimamente? - Eu vi uma pontada de expectativa nos seus olhos, mas minha resposta não era a melhor.

- A Selene? Não, não. Não há vejo desde ontem. Porque? - descruzei os braços e senti uma sensação ruim invadir meu estômago, me preparei para o que viria.

- Bem... Ela falou com você algo sobre ir a algum lugar? - ainda com expectativas, eu admirava isso nele, seu otimismo.

- Não! Do que você tá falando? - olhei no fundo dos olhos do meu irmão, que se entristeceram.

- Kai, a Selene sumiu.

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