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Wonwoo. 9° C

Os dias se embaralharam numa colagem de imagens comuns: o frio ao cruzar o estacionamento da escola, o lugar vazio de Jun na sala de aula, a respiração de Mingyu em meu ouvido, marcas de patas na grama congelada do nosso quintal.

Quando o fim de semana chegou, eu estava sem fôlego de tanto esperar, embora não soubesse ao certo o que estava esperando. Gyu estivera agitado na noite anterior, atormentado por um pesadelo, e parecia tão mal no sábado de manhã que, em vez de fazer qualquer plano para sair, só o deixei no sofá depois que meus pais foram a um brunch na casa de um amigo.

Me aconcheguei no ombro dele enquanto ele zapeava por vários filmes ruins. Escolhemos um suspense de ficção científica cujo custo de produção, sem dúvida, era menor do que o preço da minha caminhonete Bronco. Tentáculos de borracha se estendiam por toda parte quando Mingyu afinal disse alguma coisa:

— Isso incomoda você? Que seus pais sejam do jeito que são?

Aninhei meu rosto em sua axila. O local cheirava muito a ele.

— Não vamos falar sobre eles.

— Vamos falar sobre eles, sim.

— Por quê? O que há para dizer? Está tudo bem. Eles são legais. São do jeito que são.

Os dedos de Mingyu gentilmente encontraram meu queixo e levantaram meu rosto.

— Wonwoo, não está tudo bem. Eu estou por aqui há... quantas semanas agora? Nem sei. Mas de uma coisa eu sei, não está tudo bem.

— Eles são quem são. Eu nunca soube que os pais dos outros fossem diferentes dos meus até entrar para a escola. Até começar a ler. Mas a sério, Gyu, está tudo bem.

Minha pele queimava. Tirei o rosto da mão dele e olhei para a tela da televisão, onde um carro compacto afundava numa substância viscosa.

— Wonu — disse Mingyu com suavidade. Ele estava sentado, imóvel, como se, dessa vez, eu é que fosse o animal selvagem que poderia desaparecer se ele movesse um músculo. — Você não precisa fingir para mim.

O carro na TV se desmantelava em pedaços, junto com o motorista e o passageiro. No mudo, era difícil dizer o que estava acontecendo, mas parecia que os pedaços se transformavam em tentáculos. Havia um cara passeando com o cachorro ao fundo, e ele nem sequer parecia perceber que alguma coisa ocorria. Como poderia não perceber?

Não olhei para Mingyu, mas sabia que ele estava olhando para mim, não para a televisão.

Não sei o que ele imaginava que eu fosse dizer. Eu não tinha o que dizer. Aquilo não era um problema. Era um estilo de vida.

Os tentáculos na tela começavam a se arrastar pelo chão, procurando o monstro original para poderem se religar a ele. Mas não tinha como, o alienígena original estava se incendiando em Washington D.C., derretendo perto de uma maquete do Monumento a Washington. Os novos tentáculos teriam que atormentar o mundo sozinhos.

— Por que eu não consigo fazer com que eles me amem mais?

Eu tinha dito aquilo? Não parecera a minha voz. Os dedos de Mingyu percorreram meu rosto, mas não havia lágrimas. Eu estava muito longe das lágrimas.

— Wonwoo, eles amam você. A questão não é você. O problema é com eles.

— Eu me esforcei tanto. Nunca me meto em encrencas. Sempre faço os deveres de casa. Eu é que preparo a droga da comida para eles, quando estão em casa, ou seja, nunca... — Definitivamente, não era a minha voz. Eu nunca falava palavrão. — E quase morri, duas vezes, mas isso não mudou nada. Não é que eu queira que eles fiquem pulando à minha volta. Eu só queria, um dia, só queria...

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