51

141 26 2
                                    

Wonwoo. 3° C

O granizo dançava no para-brisa do carro quando subi a entrada dos Yoon, e os pinheiros pareciam engolir os faróis. A pesada casa era quase invisível na escuridão, exceto por algumas poucas luzes brilhando nas janelas do térreo. Apontei o Bronco para elas como se pilotasse um navio em direção às luzes de um porto e parei perto da picape branca de Jeonghan. Nenhum outro carro.

Peguei o casaco sobressalente de Mingyu e pulei para fora. Jeonghan me recebeu à porta dos fundos, me guiando por um cômodo cheirando a fumaça, cheio de botas, coleiras de cachorro e chifres de veados. O cheiro de fumaça aumentou quando saímos dali e entramos numa cozinha linda e perfeita. Sobre a bancada central, abandonado, jazia um sanduíche não comido.

— Ele está na sala, perto da lareira — disse Jeonghan. — Parou de vomitar pouco antes de você chegar. Vomitou no tapete todo. Mas tudo bem porque eu gosto de deixar meus pais irritados comigo o tempo todo. Por que alterar um padrão constante?

— Obrigado — disse eu, muito mais grato do que a palavra era capaz de transmitir. Segui o cheiro de fumaça até a sala.

Felizmente para Jeonghan e sua incapacidade de fazer fogo, o teto era muito alto, e a maior parte da fumaça tinha subido. Gyu era uma trouxa curvada junto à lareira, com um cobertor de pele de carneiro sobre os ombros. A seu lado, uma caneca intocada com algo de beber, ainda fumegante.

Corri até lá, tive um movimento de recuo por causa do calor do fogo, e parei de repente ao sentir o cheiro: ácido, terreno, selvagem. Um cheiro dolorosamente familiar que eu adorava – mas que não queria sentir naquele momento. O rosto que se virou para mim, porém, era humano; me agachei ao lado dele e o beijei. Ele me puxou cuidadosamente, como se um de nós pudesse se quebrar, e fechou os braços ao meu redor, descansando a cabeça no meu ombro. Senti-o estremecer sem parar, apesar do fogo pequeno e fumoso que ainda assim era tão quente que queimava meu ombro mais próximo.

Eu queria que Mingyu dissesse alguma coisa. Aquele silêncio mortal me assustava. Me afastei dele e acariciei seus cabelos por um minuto antes de dizer o que precisava:

— Você não está bem, está?

— É como uma montanha-russa — disse ele, baixinho. — Eu subo, subo, subo em direção ao inverno e, enquanto não chego ao topo, ainda posso cair para trás.

Desviei os olhos para a lareira, observando o coração do fogo, a parte mais quente, até que as cores e luzes perderam o significado, transformando minha visão em luzes brancas e dançantes.

— E agora você está exatamente no topo.

— Talvez esteja. Espero que não. Mas, meu Deus, me sinto tão mal...

Ele pegou minha mão com dedos congelados.

Não pude suportar o silêncio:

— Vernon queria vir. Mas ele não podia sair da casa.

Gyu engoliu em seco, e o som que produziu foi tão alto que eu ouvi. Será que ele estava passando mal de novo?

— Não vou mais vê-lo. Este é o último ano dele. Achei que tinha razão em ficar com raiva dele, mas agora parece bobagem. Não posso... não posso ficar com isso me atormentando.

Eu não sabia se ele estava falando do que despertara sua raiva em relação a Vernon ou da montanha-russa em que se encontrava. Só continuei a olhar para o fogo. Tão quente. Um minúsculo verão, contido e furioso. Se pelo menos eu conseguisse colocar aquele calor dentro de Mingyu e mantê-lo aquecido para sempre. Eu tinha consciência de que Jeonghan continuava parado à porta da sala, mas ele parecia distante.

— Continuo me perguntando por que não me transformei — falei devagar. — Se nasci imune ou coisa parecida. Mas não foi isso, sabe? Porque peguei aquele resfriado. E também porque não sou realmente... normal. Sinto melhor os cheiros, ouço melhor. — Fiz uma pausa, tentando organizar os pensamentos. — Acho que foi meu pai. Acho que foi quando ele me deixou no carro. Fiquei tão quente que os médicos disseram que eu deveria ter morrido, lembra? Mas não morri. Sobrevivi. E não me transformei em lobo.

Mingyu me olhou com ar triste:

— Deve ser isso mesmo.

— Mas veja, isso poderia ser uma cura, não poderia? Fazer você ficar muito quente?

Ele meneou a cabeça. Estava muito pálido.

— Acho que não, meu anjo. Qual era a temperatura da água naquela banheira em que você me fez entrar? E... Seokmin... ele tentou ir para o Texas naquele ano... lá faz 39, 40 graus. E ele ainda é lobo. Se foi aquilo que te curou, foi porque você era pequeno e porque teve uma febre maluca muito alta que o fez queimar de dentro para fora.

— Você podia provocar uma febre — falei de repente. Mas, assim que falei, balancei a cabeça. — Mas acho que não há um remédio para se aumentar a temperatura.

— Talvez haja — disse Jeonghan da porta.

Olhei para ele. Estava apoiado no portal, os braços cruzados, as mangas do pulôver imundas devido a sabe-se lá o que tinha feito para conseguir tirar Mingyu do galpão.

— Minha mãe trabalha numa clínica para pessoas de baixa renda dois dias por semana, e já a ouvi falando sobre um sujeito que teve 41 graus de febre. Tinha meningite.

— O que aconteceu com ele? — perguntei. Gyu largou minha mão e desviou o rosto.

— Morreu. — Jeonghan deu de ombros. — Mas talvez um lobisomem não morresse. Talvez tenha sido por isso que você não morreu quando era criança, porque foi mordido pouco antes de seu pai idiota ter deixado você assando no carro.

Ao meu lado, Gyu ficou de pé com dificuldade e começou a tossir.

— Não na droga do tapete! — disse Jeonghan.

Dei um pulo quando Gyu pôs as mãos nos joelhos, com ânsia de vômito, mas sem vomitar. Ele se virou para mim, trêmulo, e vi algo em seus olhos que me fez desabar.

A sala cheirava a lobo. Por um momento atordoante, éramos apenas eu e Mingyu, meu rosto enterrado em seu pelo, a 160 quilômetros dali.

Gyu apertou os olhos por um segundo e, ao abri-los, disse:

— Desculpe, Wonwoo... Sei que é uma coisa horrível de pedir. Mas podemos ir à casa de Vernon? Tenho que vê-lo de novo se isso for...

Ele parou.

Mas eu sabia o que ele quase havia dito.

O fim.

CalafrioOnde histórias criam vida. Descubra agora