Meia verdade

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Madara se deixou fechar os olhos em um raro momento humano que ainda havia dentro de si:

– Ordenei claramente a morte do jovem Uchiha.

O ruivo ainda estava parado na sua frente, sem nunca mudar a mesma expressão fria. Madara abriu os olhos muito negros e o encarou ali de pé. Nenhum tremor. Nada.

– Ele foi machucado o bastante para que o recado fosse claro? – perguntou irritado vendo que o outro não diria nada.

– Sim.

Se ergueu e suspirou olhando pela janela da sala. Além do campo de treinamento e do contingente de salas, se desenhava a floresta escura e isolada que impedia qualquer fuga. Embora, nenhum dos números tentasse fugir. Eles não conheciam outra vida além daquela. O mundo eram aquelas paredes e cerca elétrica. Quando já estavam prontos para ver o mundo de fora e receber suas ordens, ainda assim não fugiam, sempre retornavam, incapazes de se adaptar a outra vida, viver sem as aplicações da droga. Totalmente dependentes de serem comandados.

Já eram ferramentas sem autonomia alguma.

Exceto 445. Sempre tentava escorregar por seus dedos. Nas três vezes que saiu ao mundo de fora, teve que ser capturado e trazido de volta. Depois de ter feito tudo exatamente ao oposto das ordens dadas. Seu divertimento por 12 anos foi molda-lo. Aquela mente sendo tomada pelo horror e violência aos poucos, no estado mais primitivo do homem. E ainda assim, não o quebrou.

Sorriu consigo mesmo. Admirava a teimosia da criança. Era divertido ver todas as expectativas destruídas naqueles olhos muito azuis. Talvez por isso também não houvesse o destruído de início, logo quando ele começou a apresentar "defeito". Madara era um jogador nato, vivia pelo desafio.

Mudou o rumo do pensamento, o ruivo ainda estava atrás de si, na mesma posição em que chegara, o olhando fixo e esperando. O ruivo era a cobaia mais antiga, o primeiro, o 1. Sempre cumpria as ordens e retornava, e possuía mais autonomia do que os demais no mundo de fora. Ele nunca falhara em uma missão antes, tentava entender o que aquilo significava e por que o incomodava tanto.

– Preciso puni-lo, 1. – Falou olhando nos frios olhos verdes, que nem mesmo tremeram. – Você é minha melhor ferramenta, mas precisa dar o exemplo. Você entende isso?

–Sim.

Sorriu satisfeito. Nem um tremer. Nenhum medo.

Fez sinal aos guardas: - Levem-no. Dois dias na sala de punição.

O ruivo assentiu e seguiu, da mesma maneira. Madara possuía a plena consciência que ele podia matar os guardas facilmente e fugir. Mas sabia que ele nunca faria isso. Mesmo que possuísse o ímpeto de escapar, viveria no máximo dois meses fora antes de sucumbir sem a droga. Era seu controle sobre todos eles, quando o emocional e dependente falhasse. Embora, 1, não possuísse emoção alguma.

Voltou a se virar para a floresta. No fim, ele não matara o garoto Uchiha mas ainda assim, o aviso estava dado a Fugaku. Era o controle perfeito: o medo da perda. O efeito colateral do que chamam de amor. Madara demorara muito a aprender a usar esse controle de forma adequada.

Seu primeiro erro foi Minato.

Seu melhor amigo que o traiu.

Se ao menos o amigo houvesse compreendido os seus anseios, hoje estariam juntos. Ele tinha que tentar pará-lo? Ele e aquele bando de inúteis. Ele os conseguiu controlar com o medo, mas Minato era incontrolável. Tentou denuncia-lo, em vão, e por fim queimou metade da pesquisa.

Bateu a mão com força na mesa ao lembrar. Seu melhor amigo, quase seu irmãozinho, sua família. O traíra. Não aceitara sua grandeza, não enxergou no que se transformaria ao seu lado. E se viu obrigado a puni-lo. Lhe tirou tudo, a morte não era suficiente. Lhe tirou tudo e o deixou vivo no estado mais miserável daqueles que sabem que perderam tudo o que amaram por um ato próprio.

GenuínoOnde histórias criam vida. Descubra agora