Wicked Games

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Suho POV

Há lendas, tão antigas quanto os monumentos enfileirados pela cidade, que contam histórias as quais os homens mesmo com o tempo não se permitiram esquecer, pois em seu mais profundo cerne, temiam não possuírem nada para se agarrar quando a lógica que tanto defendiam fosse abalada pelo desconhecido.

Quando ainda era jovem, tão pequeno que o peso do livro sobre meu colo parecia semelhante ao dos carros que os heróis levantavam na televisão, me lembro claramente de ter lido sobre uma lenda japonesa chamada Akai Ito. O conto, tão difundido quanto a língua falada em seu país natal, contava que ao nascer, todos nós tínhamos uma fina e singela linha vermelha amarrada ao nosso dedo mindinho e que na outra ponta da mesma, de alguma forma, se encontrava a alma gêmea tão procurada por todos os homens, e dizia ainda a bela história, que independentemente dos percursos que as duas vidas tomassem, eventualmente se encontrariam um dia, e isso seria lindo.

Na época, todo aquele misticismo sobre o assunto não conseguiu atrair nada além de tédio e reclamações do meu eu jovem que só se preocupava em sair da pequena cidade de Mokpo para alcançar sua tão sonhada capital. Contudo, quase 20 anos depois daquele dia, olhando para o belo médico que me entregava uma arma carregada em nosso primeiro encontro, me questionei se a velha história não estaria mais correta do que eu pensava.

- Okay, me explica – comecei, enquanto terminava de fechar o colete por cima do macacão que uma senhora idosa havia nos entregado mais cedo – Quando você me chamou para um encontro eu achei que iríamos sei lá, pegar um cinema, ir para um restaurante... – murmurei enquanto agarrava a arma de suas mãos e agradecia com um sorriso rápido – Não isso! -enfatizei erguendo a bendita arma para o ar, como se aquilo fosse algum apetrecho alienígena.

Yixing, que parecia tão natural com aquele colete quanto ficava com seu jaleco no hospital, estava com um sorriso perverso impregnado em sua face, enquanto esperava que a velha mulher colocasse a primeira recarga em sua arma. Assim como eu, ele usava um macacão cheio de marcas de tiros passados e um capacete de proteção, com apenas a viseira levantada para permitir que ele falasse com as outras pessoas.

- Eu realmente pensei em te levar para um cinema, e passar duas horas sentado em uma sala escura vendo super heróis gostosos se batendo – ele murmurou desinteressado – Mas considerando que no nosso primeiro encontro você acabou na minha mesa de cirurgia, decidi começar por algo mais fácil.

- Fácil? – protestei com um riso estrangulado na minha garganta – Onde me levar para um campo de paintball é fácil? – disse chocado, ainda não acreditando na escolha de encontro que aquele pequeno médico imprevisível escolhera. A velha japonesa continuava concentrada em sua missão desde que nós havíamos chegado, e após algumas conversas Zhang me explicou que era porque ela não entendia coreano, então normalmente não falava com os clientes.

- Para um homem que atira em pessoas para viver, - ele disse enquanto agradecia em japonês a mulher pela arma carregada de bolas de tinta, e com ela em mãos, começava a se afastar de mim em direção a porta de entrada do campo – Você reclama demais – Sem um mínimo sinal de aviso, Lay se virou do nada e dando um disparo limpo, me acertou no meio do colete. O impacto me pegou tão de surpresa, que até a senhora se assustou com o tombo que eu dei para trás, enquanto o belo homem continuava me encarando com um sorriso perverso em seus lábios – Sabe como é o velho ditado, - murmurou – Levanta a cabeça princesa, se não a coroa cai... – e não aguardando qualquer resposta, ele ultrapassou as portas que levavam ao campo.

- Filho. Da. Puta. – rosnei revoltado pelo jogo sujo. Levantando em um único impulso, tirei a arma do chão e comecei a andar em passos pesados no sentido da porta que Yixing havia entrado, até que no meio do caminho senti uma mão frágil segurar meu braço com um aperto leve. Provavelmente teria passado reto, se não tivesse notado a pequena forma se adiantar ao meu lado. Era a senhora que estava nos atendendo desde que chegamos.

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