CAPÍTULO II

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Luciana nunca foi mulher de fugir de conflito. Se existisse algo pendente, algo a ser discutido, ela preferia fazê-lo. A vida era muito curta pra ficar brincando de adivinha. Ela não sabia exatamente o porquê de ter seguido Fantine até a varanda, mas era como se as duas fossem polos opostos de um ímã, se atraíam inexplicavelmente. Dera a desculpa de que havia esquecido o celular carregando na cozinha e saiu. Do corredor, via Fantine de costas e com a postura rígida. Antes que pudesse desistir e voltar para a sala, ouve sua própria voz saindo de sua boca, sem ter a consciência de estar falando.

"Oi."

Fantine vira. Parece surpresa em vê-la ali.

"Oi... Esqueceu alguma coisa?", Fantine a pergunta.

"Não. Na verdade eu vim falar com você."

O coração de Fantine acelera e ela sente as palmas de suas mãos ficarem úmidas. Estava nervosa.

"Pode falar...", ela diz, tentando fazer com que sua voz soe firme. Contida. Mas o nervosismo ainda é aparente e Luciana percebe.

"Desculpa, não queria te deixar desconfortável nem te pegar de surpresa", diz Luciana, passando a mão pelos cabelos e dando um passo para trás. "A gente pode conversar outra hora".

"Não!", o tom de Fantine é urgente, e ela logo trata de corrigi-lo. "Não... Pode falar. Aconteceu alguma coisa?", pergunta.

"Não, não aconteceu nada", Luciana sorri, tentando deixar o momento mais leve, "eu só queria saber se tudo bem por você se eu for nesse jantar? Quer dizer, eu não quero que fique um climão entre a gente nem nada...".

"Claro que tudo bem", Fantine dá um riso forçado, "você faz parte do grupo, Luciana."

"Eu não estou falando do grupo", Luciana desvia o olhar por um momento. Quando torna a olhá-la, sua expressão é vulnerável e sincera, "eu estou falando de você. O que você acha."

Os segundos passam e a resposta não vem. A cabeça de Fantine está um turbilhão. Pensamentos conflitantes brigam por lugar e ela quer gritar. Não! Claro que eu não quero que você vá! Cada vez que eu olho pra você eu lembro como você me deixou. Como me destruiu. Como eu posso fingir que está tudo bem se essa ferida ainda está aberta?

"Mas é claro que pode, Lu", ela sorri ao ouvir seu apelido. "Essa decisão não cabe a mim, mas minha resposta é sim de qualquer forma. Vai ser uma honra tê-la conosco."

Luciana sorri mas sente que Fantine não está sendo totalmente sincera; ignora esse pressentimento e aceita a resposta.

"Que bom. Eu senti muita saudade...", ao perceber o que havia dito, completa, "das meninas! Do grupo."

"Tenho certeza que elas também sentiram sua falta", Fantine rebate. Luciana percebe seu tom, e as palavras minuciosamente escolhidas. Elas. Elas sentiram sua falta. Luciana suspira, magoada. Não sabe o que esperava que Fantine dissesse, não depois de tudo que aconteceu. Não poderia ser diferente. Ela merece isso.

A expressão de Fantine é calma, serena, mas seu coração está apertado. Detesta ter que falar assim com Luciana. Mas ela não tem outra escolha. Dessa vez ela escolheu se preservar, preservar seu coração. E esta é a única forma de fazer isso.

Ouvem uma buzina impaciente vindo do lado de fora.

"Então... vamos? O pessoal está esperando a gente", diz Fantine.

Luciana acena com a cabeça, sem sorrir. "Vamos".

O caminho até a porta é de um silêncio desconfortável. As duas cruzam a porta da frente juntas e Karin olha pra elas, curiosa.

"Pegou seu celular?", pergunta.

"Quê? Ah! Peguei", Luciana responde, mas não há nem sinal de celular em suas mãos. Karin deixa passar, mas olha para Fantine com um ar de dúvida em seu rosto. Ela finge estar distraída pra não ter que encarar a amiga. Sabe que se olhar para ela agora ela será capaz de ver através de sua máscara sem o menor esforço.

O trajeto até o restaurante é tranquilo e sem intercorrências. Eles se dividem em carros separados e Fantine acaba dividindo o carro com Karin e Tiago.

"Agora que estamos sozinhas, você vai me explicar o que foi aquilo?", Karin pergunta, olhando para Fantine pelo espelho retrovisor.

"Aquilo o quê?", se faz de desentendida.

"Aquilo o quê?", Karin imita a amiga. "Mas você tá devagar hoje hein, mulher! Que que tá acontecendo com você? Não faz a desentendida, você sabe que eu estou falando de você se encontrando com a Luciana às escondidas na casa do Tiago!"

"Não foi nenhum 'encontro às escondidas'", faz aspas no ar, "a gente só... se esbarrou."

"Se esbarrou, né? E só por isso ela estava com aquela cara de cachorro abandonado? Vocês não fizeram o favor de brigar de novo não, né?!", ela olha pra trás com cara de espanto e Tiago grita pra ela olhar para a estrada.

"Não, nós não brigamos", Fantine finalmente responde.

Ela não quer falar muito hoje. Fantine é uma mulher de poucas palavras - na maior parte do tempo, pelo menos - e prefere ouvir o que os outros têm a dizer. Acha interessante observar os maneirismos das pessoas, os detalhes. A forma como se empolgam ao falar sobre algo que amam, a emoção ao falar sobre algo que os comove. Ela falava pouco, gostava de ter seus pensamentos calculados antes de falar, pois acredita que tudo que sai de você e vai de encontro à outra pessoa, afeta essa pessoa de alguma forma. E ela gostava de transmitir algo positivo sempre que possível, tudo o que menos queria era ser uma fonte de sentimentos ruins.

Ao chegarem no restaurante, a outra parte do grupo já estava presente e havia selecionado uma mesa.

Luciana passara o caminho todo calada, o que não era de seu feitio. Não podia evitar repassar a conversa com Fantine em sua cabeça e imaginar como seria sua relação dali pra frente. Seriam amigas? Colegas de trabalho? Fantine ainda a odiava? Era impossível saber. Era esperar para ver.

Foram os primeiros a chegarem no restaurante, e Pablo tomou a frente para reservar as mesas. O outro carro chegou instantes depois, quando estavam prestes a se acomodar.

"Ô gente, vamo adiantar aí que eu tô varada de fome!", Karin já chega com tudo, com seu jeito Karin de ser.

O jantar corre tranquilamente. Discutem questões de negócio mas não deixam de se divertir, sempre fora assim quando todas se juntavam. Luciana está totalmente à vontade, e parece ter esquecido dos problemas que a afligiam há apenas umas poucas horas. Fantine ama sua risada. Era algo tão sincero, tão puro, que ela não podia evitar rir também, mesmo que não tivesse achado tanta graça da piada boba que Aline havia contado. Luciana era contagiante assim.

A verdade era que, naquele momento, percebera o quanto sentia sua falta. Ouvir a sua voz de novo, assim de tão perto, havia despertado lembranças que ela lutou para tentar esquecer. Noites inteiras conversando sobre tudo e nada. A forma que ria quando Fantine era quem a tinha feito rir. O cheiro de seus cabelos, que era tão ela que nem esses 13 anos distantes a tinham feito esquecer. Mas 13 anos é muito tempo, e muitas coisas mudam. Ela já não era mais a mesma Fantine, e tinha certeza que Luciana também não era a mesma. Se tornara uma pessoa mais fechada, sua casca dura e impenetrável. Não se permitiria entregar-se de forma tão total novamente. Tinha feito isso e olha onde fora parar. Sozinha para juntar os próprios cacos.

"Bom, gente, acho que vou me despedindo por aqui...", Luciana diz. Todos protestam, mas ela diz estar cansada e que amanhã seria um longo dia, portanto precisava de uma boa noite de descanso enquanto ainda podia fazer isso.

"Deixa que eu te levo então, amiga!", Karin oferece.

"Ai, Karin, claro que não! Fica aí, se diverte, eu peço um táxi."

"E você vai ficar lá fora sozinha esperando táxi essa hora?", Karin refuta. Luciana era tão teimosa às vezes.

"Não, eu não vou ficar sozinha. Fantine? Me acompanha?"

Veni, Vidi, AmaviOnde histórias criam vida. Descubra agora