Fantine não responde, e nem precisa. Certas coisas não necessitam respostas quando se sabe ler nas entrelinhas do silêncio. E Luciana sabe. Conhece Fantine bem o suficiente para saber que diz mais em seu silêncio do que em suas palavras.
Fantine retoma seu violão de cima do sofá e torna a dedilhar acordes aleatórios, melodias de sua própria criação. Luciana ainda sente o coração disparado, o corpo vibrando de desejo —o calor do vinho, do corpo de Fantine e da melodia suave contribuindo para tal— mas sua mente estava a mil por hora. Tentava, sem sucesso, ler no rosto da outra mulher alguma indicação do que se passava em sua cabeça.
"Acho melhor eu ir...", Luciana diz, se levantando das almofadas. Fantine por fim tira os olhos do violão e a fita, sua expressão indecifrável.
"Eu te chamo um táxi", oferece, levantando-se. Não foi uma pergunta, Luciana observa. Ela realmente me quer fora daqui. Se lhe perguntassem, ela não saberia explicar o porquê de ter sido acometida por tamanha raiva naquele momento. Mas o sentimento estava ali, quente como lava querendo sair pelo vulcão de sua boca.
"Pode deixar que eu me viro", responde rispidamente, pegando sua bolsa e caminhando até a porta. "Obrigada pelo jantar."
Luciana está quase na porta quando sente dedos envolverem-se em seu pulso pela segunda vez naquela noite. Seu olhar se desvia para o seu pulso, e o impulso de soltar-se bruscamente é interrompido quando olha para a pessoa cuja mão a segura.
Os olhos de Fantine eram suplicantes, e suas emoções vão da raiva à ternura em fração de segundos. Odeia vê-la assim. Odeia ainda mais ser o motivo de ela estar assim. Que direito tinha de desaparecer da vida de Fantine deixando um rastro de destruição em seu caminho e retornar anos depois exigindo perdão imediato? Era natural que tivesse dúvidas, que desconfiasse. Fantine percebe a expressão de Luciana suavizar, e se aproxima.
"Por favor, não dificulta as coisas", ela diz docemente, seu polegar acariciando o dorso da mão de Luciana.
"Me perdoa", Luciana diz, e a envolve em um abraço. Pedia perdão por sua atitude mas, acima de tudo, por seus erros do passado. Por ter feito Fantine duvidar de seu amor. Por tê-la abandonado, e por reabrir suas feridas ao tentar entrar novamente em sua vida.
Fantine dá um sorriso fraco, e fecha os olhos. Todos os seus sentidos estão aflorados, e sente como se fosse entrar em combustão. Tudo o que seu corpo sente é a pele da outra mulher em contato com a sua, seus braços envolvidos em seu pescoço e a cabeça que descansa sobre seu peito. Seu olfato é tomado pelo perfume familiar de Luciana, e ela não resiste enterrar o rosto em seus cabelos. Sua boca ainda sente o gosto do vinho que se misturou em suas bocas.
Fantine afasta seu rosto dos cabelos de Luciana e toma seu rosto em suas mãos. Aproxima-se e planta um leve beijo em seus lábios, acariciando seus cabelos e fazendo com que Luciana solte um suspiro pesado. Essa era toda a resposta que precisava. Sua postura, antes rígida, agora relaxa, e ela descansa seu rosto sobre a palma quentinha da mão da outra mulher. Uma lágrima involuntária rola em seu rosto.
Luciana se afasta, um sorriso sem graça em seus lábios.
"Eu não era chorona assim antes de você", ela diz, secando seu rosto. "Vamos?"
Elas saem do apartamento e entram no elevador em um silêncio cúmplice, e Fantine sente o olhar de Luciana penetrar em sua pele.
"Que foi?", Fantine pergunta ao entrarem no elevador.
"Nada...", Luciana responde, mas o sorriso estampado em seu rosto dizia o contrário.
Fantine acha graça da súbita timidez da outra mulher, quando há alguns poucos minutos se portava como uma leoa. Ela se apoia na parede do elevador e sente o corpo de Luciana gravitar até o seu, seus dedos se tocando levemente. Fantine direciona o olhar para a mulher ao seu lado, e a mesma finge estar distraída com os botões do elevador, mas o sorriso travesso em seu rosto a trai. Num ímpeto de bravura, toma a mão de Fantine na sua e a segura ali.
Para sua surpresa, Fantine não a solta, e quando saem do elevador, suas mãos ainda estão entrelaçadas. A familiaridade do gesto é reconfortante, e Luciana sente um calor em seu peito que há muito não sentia. Lar.
Aguardam o táxi em silêncio, e quando ele chega, Fantine a acompanha até ele. Luciana não consegue evitar lembrar da última vez que Fantine a colocara em um táxi, aos prantos e com o coração partido, e como tudo parece tão diferente agora.
"Te vejo amanhã?", Fantine pergunta, soltando a mão de Luciana mas ainda mantendo-a ali, pertinho, absorvendo seu calor.
"Te vejo amanhã", Luciana responde, e planta um beijo no canto de seus lábios.
Ela entra no táxi e fecha a porta. Diferente da última vez, estavam sorrindo.
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Veni, Vidi, Amavi
Fanfiction"A verdade era que, naquele momento, percebera o quanto sentia sua falta. Ouvir a sua voz de novo, assim de tão perto, havia despertado lembranças que ela lutou para tentar esquecer. Noites inteiras conversando sobre tudo e nada. A forma que ria qua...