CAPÍTULO IV

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Fantine não retorna para o restaurante. Como poderia voltar e encarar a todos com o rosto manchado de lágrimas? Ao invés disso, caminha sem rumo tentando organizar seus pensamentos. Luciana não estava mais com ele. Mas que diferença isso fazia agora que já tinham colocado tudo a perder? Nada mais seria o mesmo, não depois do que aconteceu. Luciana dissera que a havia amado. Não duvidara disso por um segundo sequer; se sentiu amada por todos os dias que estiveram juntas. Mas Luciana não tivera coragem de sair de sua zona de conforto e enfrentar a Deus e o mundo ao lado de Fantine. Quando deixava seu orgulho e mágoa de lado, quase conseguia entender o lado dela. Podia imaginar o escândalo que seria, o relacionamento extraconjugal das integrantes da girlband mais bem-sucedida do Brasil. Luciana, a garota de cidade pequena que largara o namorado de infância para se envolver com uma mulher. Luciana era sensível, prezava sua privacidade, e isso seria demais para ela.

O ar frio da noite de São Paulo é cortante na pele de Fantine, e seca suas lágrimas assim que saem de seus olhos. A realidade volta à tona repentinamente, e se lembra que deixou o restaurante sem avisar a ninguém. Pega o celular do bolso e digita uma mensagem.

Me senti mal, tive que ir embora. Avise a todos, por favor. Nos vemos amanhã.

Aline responde imediatamente.

Tá tudo bem? O que aconteceu? E a Luciana?

A menção ao nome de Luciana a faz querer chorar novamente.

Foi embora.

A mensagem é visualizada, mas Aline não responde. Fantine consegue imaginar o que se passa na cabeça da amiga e se prepara mentalmente para a enxurrada de perguntas que provavelmente virá amanhã.

Avista um táxi se aproximando e faz sinal. A viagem até seu apartamento parece levar horas, e quando chega, tira os sapatos e os joga pela casa de qualquer jeito. Todos esses acontecimentos a deixaram exausta, mas ela luta para dormir. Sua mente está em Luciana, e como serão as coisas daqui para frente, agora que as cartas tinham sido colocadas na mesa. Ou melhor dizendo, agora que Luciana tinha colocado as cartas na mesa. A forma como escolhera revelar sua separação refletia muito de sua personalidade. Corajosa, impulsiva, sincera. Eram qualidades que Fantine admirava e que gostaria de ter para si.

Eu não estou mais com ele.

Passa a noite inteira se revirando na cama, a frase pairando em sua mente. Quando vê o dia clareando, desiste de tentar pegar no sono e se levanta.

A ioga entrou em sua vida numa época que necessitava de paz. Com ela, aprendeu a redirecionar toda sua energia nervosa desafiando seu próprio corpo, testando seus limites. A fazia relaxar, esquecer de tudo e focar só no aqui e agora. E é isso que decide fazer esta manhã. Pôr a cabeça no lugar, concentrar-se em si mesma e no esforço de seu corpo. Tem um dia agitado pela frente, e a ioga faz com que seu corpo desperte, mesmo sua mente não tendo descansado um segundo sequer. Luciana também mal havia pregado os olhos na noite anterior e sente o cansaço pesando seu corpo. Sua cabeça estava a mil por hora, e não parava de pensar como encararia Fantine, depois de tudo que acontecera ontem. Entretanto, em seu coração não havia espaço para arrependimentos, e o que estava feito, estava feito.

Vira de lado em sua cama e vê o casaco de Fantine. Mesmo estando no meio de uma discussão, Fantine ainda pensara em protegê-la. Era algo quase natural pra ela, Luciana havia notado. Estava presente na forma como sempre colocava sua mão na parte de trás de sua cintura quando passavam por uma multidão particularmente calorosa. A forma como não revelara a ninguém o que tiveram, mesmo Luciana tendo dado motivos suficientes para que ela não guardasse esse segredo.

Quase automaticamente, suas mãos alcançam o casaco e o leva até seu nariz. Seu cheiro ainda era exatamente como se lembrava.

Pensa em ligar para Fantine e se desculpar, pedi-la para esquecer tudo o que havia dito e começar do zero. Pega seu celular da mesa de cabeceira, e seu dedo paira sobre o contato de Fantine. Perde a coragem. Quando está prestes a recolocar o celular no lugar, ele toca.

Veni, Vidi, AmaviOnde histórias criam vida. Descubra agora