"Fantine?", Luciana chama novamente.
As meninas a observam, esperando sua resposta. Pablo e Tiago parecem alheios à conversa paralela, e conversam um com o outro animadamente sem notar o que acontece em sua volta. Elas sabiam do passado de Luciana e Fantine e é só isso que achavam que era: passado. Mal sabiam o quanto os fios soltos do passado ainda as atormentava.
"Sim, vamos", diz Fantine, levantando e pegando seu casaco de trás da cadeira.
"Ó, não vai ficar de ressaca e perder a hora não, hein garota!", Li dá bronca como uma verdadeira mãe.
"Sim, senhorita!", Luciana responde, fazendo continência. Todos riem e se despedem.
Elas saem do restaurante, o silêncio desconfortável.
Luciana está com os braços cruzados, e Fantine percebe que ela parece estar com frio. Estende a mão, oferecendo-lhe seu casaco. Luciana a olha, confusa.
"Pode pegar, você tá com frio", oferece novamente.
"Mas e você?", Luciana pergunta.
Fantine dá de ombros, "Não precisa. Tenho sangue quente."
Luciana ergue as sobrancelhas e sorri, tímida.
"Eu aceito então..."
Fantine coloca o casaco sobre seus ombros, e Luciana o ajeita. Fica enorme nela, e ambas acham graça. A diferença de altura entre elas sempre fora algo que as agradara, em segredo. Sem salto, Luciana alcançava o queixo de Fantine, e isso fazia com que se sentisse delicada, frágil. E Fantine adorava se sentir protetora. Sua necessidade de proteger era ainda mais forte com Luciana. Não que ela fosse frágil, longe disso, sabia que era forte e que não necessitava da proteção de ninguém senão a própria. Mas senti-la se entregar em seu abraço, o corpo pequeno que moldava-se perfeitamente ao seu... Era algo que nada nem ninguém poderia apagar de sua memória.
"Eu não estou mais com ele", Luciana diz, repentinamente.
"Como?", Fantine pergunta. Quer confirmar se ouviu certo.
"Eu não estou mais com ele", ela diz novamente.
Fantine não sabe o que dizer. O que as havia separado 13 anos atrás volta à tona. Seu casamento havia terminado. Se sentia feliz? Triste? Indiferente? Não fazia diferença. O dano havia sido feito e duvidava que um dia pudessem repará-lo.
"E como você está?", se pega perguntando. Ainda se preocupa com Luciana, apesar de tudo.
"Bem, eu acho? Foi amigável", ela cruza os braços, dessa vez não por frio. Se sente exposta, e teme ter revelado demais. Certamente isso não faria diferença nenhuma para Fantine e, pior, talvez atrapalhasse essa nova fase de sua relação, que ainda era frágil e incerta.
"Você vai me perdoar um dia?", a pergunta pega Fantine de surpresa. A perdoaria um dia?
Andavam lentamente em direção à rua, Luciana ainda com os braços cruzados. Sabia que era besteira, mas era uma tentativa de se proteger, proteger seu coração do golpe que sabia que viria. Se pusera no lugar de Fantine, e sabia que, se fosse o contrário, ela também não se perdoaria.
"Não tem o que perdoar. Você fez o que tinha que fazer", seu tom era frio, e evitava olhar Luciana nos olhos.
Fez o que tinha que fazer. Era isso que Luciana havia dito na carta que dispusera sobre seu travesseiro na noite em que partiu. Fantine ainda consegue sentir a superfície áspera do papel que arranhava a palma de sua mão, amassados pela força com que segurava a carta. O gosto amargo da bile que subia até sua garganta, as palavras embaçadas pelas lágrimas que rolavam por seu rosto. Os sentimentos que Fantine pensava ter enterrado a sete palmos começavam a ressurgir, e não havia nada que ela podia fazer além de deixar que eles saíssem.
"Fantine, não fica fazendo esses jogos", diz Luciana "Eu tô tentando ter uma conversa honesta contigo. Seja honesta comigo", ela anda rapidamente e para na frente da outra mulher, a impedindo de andar e forçando-a a dar-lhe atenção. Fantine mordia o interior de sua bochecha nervosamente.
"Você me deixou. Por outra pessoa", sua honestidade surpreende a ambas. Luciana, que insistiu para ter esta conversa, agora se sentia arrependida. Não estava pronta para ouvir tudo que fizera de errado e as formas em que a havia magoado.
"Eu sei. E eu sinto muito", sua voz é triste e seus olhos marejam. "Eu te amei tanto..."
Fantine detesta vê-la assim, tão triste. Se sente péssima por ter-se permitido entrar nesse assunto, mas ao mesmo tempo sente que já é hora de colocarem um ponto final nessa história de uma vez por todas.
"Mas não o suficiente pra ficar", Fantine rebate.
Luciana agora chora abertamente, e Fantine engole seco e afasta o impulso de abraçá-la e consolá-la.
"Eu fiz o que me pareceu certo na época", tenta controlar o choro e fazer com que sua voz pare de tremer. "Eu fiz o que tive que fazer. Eu não tive outra escolha, você não entende?!"
"Você teve outra escolha, sim. Só escolheu o caminho mais fácil", Fantine sente os olhos marejados, e cerra os punhos com força na tentativa de não deixar as lágrimas rolarem.
"Seu táxi está vindo ali", Fantine se afasta de Luciana e enxuga os olhos com raiva. Detestava parecer fraca. Faz sinal para o táxi, e ele para na calçada. Ela abre a porta e faz sinal para que Luciana entre.
"Toma seu casaco", diz Luciana, já começando a tirar o casaco de seus ombros.
"Pode ficar", responde. "Me devolve amanhã. Boa noite."
Fecha a porta do táxi, e ainda pode ver o olhar triste de Luciana através do vidro, encarando-a.
Fantine se afasta sem olhar para trás. Espera que o táxi vá embora, e chora.
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Veni, Vidi, Amavi
Fiksi Penggemar"A verdade era que, naquele momento, percebera o quanto sentia sua falta. Ouvir a sua voz de novo, assim de tão perto, havia despertado lembranças que ela lutou para tentar esquecer. Noites inteiras conversando sobre tudo e nada. A forma que ria qua...