CAPÍTULO XII

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Pela segunda vez, Luciana caminha pelo apartamento de Fantine, observando como cada canto daquele lugar carregava um pouco de sua essência. Haviam esperado que todos saíssem do estúdio, com o pretexto de que precisavam dar um toque final à coreografia, e então saíram juntas. Sem muitas palavras, Fantine chamara um táxi e Luciana a seguira cegamente. Não sabia para onde iriam, mas se permitiu ser guiada.

A luz alaranjada do entardecer dava ao ambiente um ar quase etéreo enquanto ela observava, agora com mais calma, a sala em que estivera há apenas alguns dias. As almofadas espalhadas pelo sofá davam ao lugar um ar aconchegante, e uma pintura a óleo estava exposta na parede oposta. Nela estava retratada um moinho, no que parecia uma cidade do interior, e Luciana a estudava curiosamente.

"View of the Hague."

Luciana olha para trás e vê Fantine parada no batente da porta, com os braços cruzados, observando-a. Havia tomado banho e usava uma camisa larga e shorts, seus cabelos úmidos pareciam quase pretos.

"A cidade onde eu morei tantos anos." Ela se aproxima, sorrindo, sem tirar os olhos da pintura "Eu comprei esse quadro em uma das feiras ao ar livre que costumava ter aos fins de semana. É uma réplica do quadro View of the Hague, de Cornelis Springer, feita por um artista local. Lembro que me chamou atenção porque, tá vendo essa igreja aqui no fundo?", ela aponta para o canto esquerdo do quadro, e Luciana segue, atenta. "Grote of Sint-Jacobskerk. É uma das construções mais antigas de Haia, foi fundada no final do século 13. É exatamente a mesma igreja que eu via da janela da minha casa. É tão curioso, não é? Todas essas pessoas, em 8 séculos, que tiveram a mesma vista que eu. Que caminharam os meus mesmos passos até ela." Ela passa a ponta dos dedos por toda a extensão do quadro, como se quisesse memorizar cada detalhe, cada relevo. "É um pedaço da Holanda que eu gosto de ter comigo."

Luciana a olhava, encantada. Fantine se transformava quando falava de algo que a apaixonava. Seus olhos brilhavam, e Luciana sabia que, se pudesse, falaria sobre aquilo por horas a fio. Já a vira daquela mesma forma quando compunha as letras do grupo e as transformava em melodia com seu fiel violão.

Fantine por fim tira os olhos do quadro e quando volta o olhar para Luciana, vê que ela a fitava com um pequeno sorriso.

"Desculpa", Fantine diz, e esconde o rosto entre as mãos. "Falei demais, né? Gostou do quadro?", ela diz, tirando as mãos do rosto, tentando desconversar.

"Gostei, sim. E nunca é demais quando você fala sobre alguma coisa que gosta."

Fantine caminha até o sofá e se senta, afastando algumas almofadas, indicando para que Luciana se sente no lugar vazio ao seu lado.

Luciana se senta de frente para Fantine, braço apoiado nas costas do sofá e a olha. Fantine prende o cabelo em um coque frouxo.

"Você sente falta? Da Holanda?"

Fantine suspira, pensando em uma resposta.

"Às vezes... Mas é mais um sentimento de gratidão do que saudade. Eu me mudei pra lá em uma época crucial da minha vida, onde eu queria começar do zero, ser uma versão melhor de mim, sabe? E a Holanda - Haia, mais precisamente - me acolheu e me deu essa oportunidade. E querendo ou não eu sempre vou levar um pedaço de lá comigo. Se eu sou a mulher que sou hoje, parte disso eu devo ao que eu aprendi lá", Fantine diz, com o olhar fixo no quadro a sua frente. A luz do sol poente se extinguia lentamente, e em breve estariam imersas na escuridão.

"Você se arrepende de ter voltado para o Brasil?"

"De forma alguma!", ela se apressa em responder. "Eu sinto que esses anos fora me prepararam para esse retorno. Eu sabia que quando eu voltasse tudo iria mudar. Bom..." ela olha de lado para Luciana, "nem tudo."

Veni, Vidi, AmaviOnde histórias criam vida. Descubra agora